18.6.09

Na base do susto

E eu, que sempre quis ter controle sobre tudo, ter uma vidinha regradinha, bonitinha, tranquila e previsível, resolvi me entregar ao susto e entender que a realidade que se coloca aqui, hoje e agora, é exatamente o OPOSTO da vidinha regradinha e previsível.

E que vidinha regradinha e previsível, ter tudo em ordem e sob controle sempre, nada mais é do que uma irremediável entrega à mediocridade.

Então nesses últimos tempos tudo que aconteceu e acontece na base do susto me deixa mergulhada em um mundo novo e que se renova e que muda a cada dia, em uma transitoriedade constante.

E aí, dos sustos:

SUSTO 1: Zazie no Metrô
"Paris é um devaneio", diz o livro predecessor da contra-cultura francesa, escrito em 59 e reeditado agora pela Cosac Naify, em edição (linda!) comemorativa dos 50 anos. Zazie é uma menina do interior da França que quer ir para Paris fazer duas coisas, apenas: andar de metrô e usar calça jeans. A tchurma que a acolhe em Paris é constituída por seu tio, travesti, o dono do bar, o sapateiro da esquina, o taxista, um bando de turistas, e o papagaio Laverdure ("Falar, falar, você só sabe fazer isso", repete o papagaio zilhares de vezes ao longo do livro).
O livro veio parar nas minhas mãos quando entrei na Livraria Cultura para comprar o presente de Dia dos Namorados do meu ex-namorado. Eu já tinha lido sobre ele na Folha de São Paulo, e quando vi aquela edição lindinha, aquela escrita gostosa, o pósfacio do Roland Barthes, não resisti. Devorei o livro em menos de 4 dias e algum dia ainda escrevo por aqui uma crítica literária sobre ele.

SUSTO 2: Namorado? Ex-namorado?
Rápido começou e do mesmo jeito acabou. Acho que a gente vai crescendo e começa a entender o que significa ser responsável por aquilo que cativamos. E, nesse sentido, entende que não cabe namorar uma pessoa que está totalmente apaixonado a ponto de ficar cego, e que exatamente por isso não gosta que os limites individuais de cada um sejam respeitados.
(quanto mais velho e solitário a gente fica, é fato, mais difícil a inserção de outra pessoa na nossa rotina, o que talvez signifique que eu esteja fadada a ser sozinha, mas acho que não, porque quando a gente encontra alguém que compensa, essa pessoa simplesmente compensa, e a gente sabe quando essa pessoa é encontrada)
Entende que não compensa sequer correr o risco de machucar aquela alma tão boa, os olhos verdes que, carinhosos, aconchegam. Não dá para machucar o autor de poemas lindos, o cara que me deu orquídeas, o cafuné gostoso, o carinho no rosto e no cabelo.
Em um único movimento de surto e rompimento, conversamos sob o sol gostoso daquela quinta do feriado, debaixo das árvores dos Jardins, véspera do Dia dos Namorados ("piadinha de mal-gosto", já me disseram, "onde já se viu terminar o namoro justo na véspera?" E eu respondo, convicta: se fosse um dia depois teria sido muito pior).
Ele disse que esse deve ter sido o fim de namoro mais lindo da minha vida, porque foi o fim de namoro mais lindo da vida dele. Eu concordo, sozinha e serena. Os presentes de Dia dos Namorados ficaram sem destino, por ora (sozinhos e serenos).

SUSTO 3: Acoustic France, Putumayo Records
A Putumayo é maravilhosa. Gravadora especializada em World Music, tem os CDs com as músicas mais legais e as capas mais lindas que eu já vi na vida. E aí, no meu "Combo francês", aproveitando que eu estou francófona e mergulhada na França justo no Ano da França no Brasil, comprei o CD e não paro de ouvir. Não paro de ouvir. Não paro de ouvir.

SUSTO 4: Caramelo
Filme lindo e delicado, triste e alegre ao mesmo tempo, em tons de amarelo, com mulheres bonitas e olhares árabes bem maquiados de delineador e rímel. Toda aquela vaidade, todo aquele amor, as tradições, os hábitos, as famílias, os amantes, as amantes. Todo aquele francês no meio do árabe. O filme é dedicado a Beiruth. Está em cartaz nos cinemas de arte de SP, e aparentemente está entre os melhores em cartaz.

SUSTO 5: Essas saudades
Em um futuro breve o apê será vendido e eu não verei mais aquela vista que vai do Obelisco à Juscelino, passando pelo parque, pelas casas, pelo espigão da Paulista e as torres, o Skye, a Igreja São Gabriel. Era uma vista que dava aconchego, mas, óbvio, o aconchego vinha do fato de ser a casa da minha avó. E eu banalizava essa vista, porque ela me era comum e constante. Agora, a cada dia que eu entro lá, o que aperta é a saudade insana, a ausência que dói, e a sensação de contagem regressiva - um dia a menos vendo aquela vista. Não tanto pela vista em si, talvez; porque para isso eu posso tirar fotos e nunca perder a tal da vista de vista. Muito mais pelo que a vista me representa e me traz de lembranças. E aí, das lembranças, uma dorzinha aguda que bate no fundo do peito. Mas isso, afinal, é "learn from the past" - aprender do passado. E eu tenho tentado implementar para mim a Teoria do U, do Otto Scharmer, que define a vida como "presencing". E aí precisamos "learn from the future" - aprender do futuro. O que eu aprendo do futuro, do que minha avó me deixou, é toda a herança da pessoa maravilhosa que ela era e que ela me ensinou. Isso eu levo comigo. Isso, e a certeza de que, exatamente por essa herança, ela estará muito presente. Pronto.
(pontos para mim: primeira vez que consigo escrever aqui sobre as saudades que sinto da minha avó, e não doeu nada).

SUSTO 6: Dia-a-dia
Fica sempre a sensação de um Tsunami iminente. Esse tem sido meu dia-a-dia, preenchido por essa não-rotina no trabalho. Às vezes dá a sensação de não dar conta. Às vezes dá a sensação de adrenalina, de estar surfando em cima de um Tsunami. Ontem eu fiquei o dia inteiro tonta, com a sensação de que poderia cair a qualquer instante. Acho que eu estava sendo afogada. Hoje eu acordei no maior pique, caprichei no visu para vir trabalhar, mesmo sem nenhum motivo específico, e me sinto surfando em cima do Tsunami. Então tá, a vida anda boa, sim. Embora cansativa e esgotante, ela anda boa, sim. Hoje em uma troca de emails eu disse:
"Parece que a balada meio que perdeu o brilho para mim, não sei explicar...Óbvio que para dançar boa música, curtir, estar com pessoas legais, rola bem e eu adoro... mas ir todo santo final de semana, não tenho mais nada de pique... acho que a vida do dia-a-dia está tão boa, desafiadora, interessante, intensa, que no final de semana eu quero mais é ficar sussa (e tomar uma breja de leve para desanuviar com bom papo) para estar pronta para a próxima semana..."

SUSTO 7: Roberto no Maracanã
Eu tinha lido há uma semana no jornal que o Roberto vai fazer um show no Marcanã dia 11 de julho, o showzão oficial da grande comemoração dos seus 50 anos de carreira. Pirei que tinha que ir ver o Rei no Rio. Conversei com os meus pais, companhias óbvias para esse tipo de show, que alegaram ter medo de ir pro Maracanã ver um show de multidão. Falei com mais alguns amigos, do trabalho, de infância, de tudo quanto é canto, e a resposta em geral foi uma risadinha de desdém do tipo "só você mesmo para querer fazer um programa de índio como esse". Terça feira, jantando com as meninas da PUC, me lamentei em voz alta "ai, vocês não acreditam que não consegui companhia para ir ao show do Rei no Maracanã". No mesmo exato instante a comoção tomou a todas da mesa. Ligamos, no viva-voz, para o marido de uma delas. Na mesma hora ele entrou na TicketMaster e comprou nossos ingressos. Estamos em um grupo de seis na nossa Super Caravana do Rei no Maracanã. O Rio de Janeiro nunca mais será o mesmo - nem nós.

SUSTO 8: Sete Livros
Sete é o número de livros sobre Direitos Humanos que preciso ler até o final do ano. Simbora, meu povo, que camarão que dorme a onda leva!

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E então, por que é que todas essas coisas tão banais se confuiguram como sustos?
Estaria eu superestimando o poder das coisas cotidianas?
E eu digo que não, não estaria.
Cada um desses sustos é uma mudança, uma coisa, alguma coisa qualquer, que mudou. Saberei só daqui há muito tempo se essa mudança influenciou ou não.
O ponto é que mudou, e que mudar é bom.
Voltamos ao ponto inicial: com um norte bem definido do que eu quero e de quem eu sou, não tem objetivo atingido que substitua um processo de transição bem vivido.
(ontem tive uma conversa com alguém que se colocou como eternamente em um processo de transição, e que nunca alcançar os objetivos não é bom. Eu propus uma mudança de perspectiva: faça do seu processo transitório um objetivo alcançado - assim o é quando as pessoas têm um norte. Mas é difícil quem entenda essa perspectiva, e eu não vou ficar conflituando.)

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