29.9.08

Sobre Nós

OU: como uma pessoa que tem praticado a "tolerância zero social" vê um evento tal qual o About Us.


Introdução - sobre o conceito de Tolerância Zero Social
Posso resumir esse conceito em algumas linhas apenas, e quem me conhece sabe que eu sou um pouco rabugenta com isso mesmo. Mas a idéia é basicamente que hoje em dia, e cada vez mais conforme os dias passam, meu tempo livre virou um dos meus ativos mais raros. Partindo desse pressuposto, entende-se que estou cada vez com menos paciência com as pessoas que me cansam de alguma forma (por mais subjetivo que isso possa ser, mas não ficarei explicando esse conceito porque ele diz unica e exclusivamente à minha pessoa). Enfim, "tolerância zero social" diz respeito a tempo escasso e a saber como gastar esse tempo, e diz respeito também a uma impaciência crônica e perturbadora com relação às pessoas, atitudes, opiniões e demandas sociais que me cansam. E aí tenho me afastado e me aproximado de pessoas ciclicamente, e sentido saudades fortíssimas de algumas pessoas e uma rejeição inédita com relação a outras pessoas.


Sobre o About Us
Divido facilmente o festival em três partes, que não são totalmente separáveis entre si afinal dizem respeito ao mesmo festival, e ao mesmo tempo podem ser separadas para dar uma amenizada na rabugentisse social que me acomete.

Parte 1: Musical
Cheguei para o show da Vanessa da Matta (ponto alto, "História de uma gata") e saí após o Dave Matthews acabar seu show de quase duas horas e meia. Ben Harper e Dave Matthews fizeram dois shows não burocráticos e bem curtidos. Na verdade, tudo o que eu queria era isso: ver a festa no palco que Dave e seu bando fazem, a delícia do improviso, do instrumental prolongado, dessa mistura de um pouco de tudo, folk, country, rock, tudo isso com muito sopro e muita percursão. Antológica foi a visita que o Ben fez ao Dave no palco; e apenas um pouco melhor do que apenas para cumprir tabela, a visita que a Vanessa da Matta fez ao Ben. Voltando à festa no palco, no gramado a festa refletia em nós, que dançávamos sem jeito e um pouco bobos de alegria de ver aquele espetáculo orquestrado pelo cara simpático e de voz rouca. Ele disse: "it is overwhelming to be here" e eu, que estava brincando de tradução simultânea, disse: "estou extasiado de estar aqui". E aí "extasiado" virou nossa palavra oficial do show.
Se eu fosse alguém com poder de avaliação, eu daria nota: +++

Parte 2: Sustentável
Juro que eu queria que a parte sustentável do show desse certo e fosse um sucesso. Mas seria uma falácia falar que foi. Triste isso. Iniciativas bacanas na entrada do show eram simplesmente ignoradas pelo público que usava essa área simplesmente como passagem. Tendas vendendo produtos "About us" estavam em todos os lugares - tinha mais dessas tendas do que lanchonete vendendo comida, por exemplo. Aí a gente pára e pensa: os bróders que organizaram esse show se esqueceram que o consumo e a conscientização do consumo também faz parte da criação da sustentabilidade. Eles também se esqueceram que há lugares e lugares: em um festival de dia inteiro, comida orgânica e integral a preço de ouro não é o que o público (que já pagou caro pelo ingresso, diga-se de passagem) quer comer. Se a sustentabilidade, portanto, estava nas comidas e nas iniciativas bacana, esqueça dela. Porque ninguém viu, ninguém notou, ninguém nada - muito pelo contrário: da comida, as pessoas até reclamaram. Mas, veja só você, a sustentabilidade também estava nos telões do palco, com depoimentos de gente famosa pela fama (Ciça Guimarães, Global) e gente famosa pelo mérito (Carlos Minc, Ministro do Meio Ambiente). Grande ironia essa: era no intervalo dos shows, e ninguém estava nem aí para o que passava no telão. Quem poderia ter ajudado alguma coisa com relação à sustentabilidade, os artistas que subiram ao palco, de fato não ajudaram, porque ninguém disse nada sobre sustentabilidade. Agora entrando em ação a versão mais chata de mim mesma (a versão da politicamente correta), outro ponto de crítica: no mundo em que eu vivo ainda não inventaram cadeira de rodas off road. Não é à toa que eu não vi nenhum cadeirante nesse evento: o acesso era simplesmente impossível.
Se sustentabilidade é pluralidade eu dou nota: --

Parte 3: Público.
Era mais ou menos assim: 50% do público tinha de 15 a 25 anos, e outros 50%, de 25 a 35 anos. Outra divisão possível é que 50% estava lá porque gosta do som dos caras, e queria ouvir boa música, bom som, se divertir.
E os outros 50% estavam lá "pagando de gatinhos", totalmente "cool wannabe", simplesmente por ser um festival amplamente divulgado e com atrações cujas músicas essas pessoas conheciam no máximo duas ou três. Essa galera que estava lá pagando de gatinho era constituída por meninas maquiadas (mesmo no esquema off road, por mais contraditório que pareça), com base, rímel, lápis, gloss (urgh, eu odeio gloss em mim e um pouco mais ainda odeio gloss nos outros) e shortinhos ou sainhas e muitas vezes blusinhas decotadas de viscolycra com algum modelo bacaninha (congelando de verdade naquele frio outonal que fez naquela tarde); e meninos com tênis, bonés, calças jeans, de marcas bacaninhas e famosinhas. Todos assim, lá nesse show muito pelo hype que rolou em torno dele, sem entender ao certo o que estavam fazendo lá, mas sabendo muito bem que era legal o fato de eles estarem lá. Um amigo meu, jornalista de um veículo de imprensa de grande circulação que esteve no evento para fazer a cobertura, em um desabafo via msn disse o seguinte:
"Bom, "fãs" no sentido estrito da palavra (gente que conhece discografia, letra de música, acompanha há tempos etc.), sempre são poucos. Tirando, é claro, as megabandas, o que não era o caso ontem. Ou seja, em qualquer show, a maior parte do público não é exatamente de "fãs" (salvo casos atípicos como o Los Hermanos), mas de gente que conhece os sucessos e gosta. E esse me parecia ser exatamente o tipo de gente que estava lá ontem. Não foi gente que foi só pra ver - neguinho conhecia os sucessos do Ben Harper e da DMB - não sabiam cantar, não sabiam os nomes das músicas, não sabiam mais nada, mas sabiam que já tinham ouvido. Ouvi muito "ah, é essa". Você não achou que Dave Matthews e Ben Harper iam atrair um público indie, né? Era aquilo ali, aquele pessoal da firma."
Então é um pouco isso: pessoas que estavam lá pelo hype, no melhor dos esquema "pagando de gatinho", "cool wannabe", "pessoal da firma".
Se eu não tivesse telhado de vidro eu daria nota: -----------

De uma forma ou de outra, posso estar rabugenta mas não serei injusta.
Os shows do Ben Harper e do Dave Matthews compensaram o trânsito na chegada e a fila de uma hora e meia para sair do estacionamento no final; compensaram os 50% deprimentes do público bizarro; compensaram essa hipocrisia retórica da sustentabilidade no evento, com um palco gastando sei lá quantos milhares de energia elétrica e emitindo uma quantidade absurda de CO2 na atmosfera (porque até onde eu me lembre o intuito era neutralizar as emissões de carbono).

E tenho dito.

18.9.08

Dados de Ontem

Temperatura do dia
13 graus na Paulista, na hora que eu saí do trabalho.

A Bolsa no dia
Queda de 6,7%.

Momento do dia
Dançar com o véu que voa na aula de dança.

Piada do dia
Maluf diz, na Sabatina da Folha, que só sai da política quando for pro céu.

Frase do dia
Ao comer alcachofra no jantar: "Comer alcachofra e não comer o fundo dela (ou o "coração", como preferir) é a mesma coisa que sexo sem orgasmo."

16.9.08

Have a nice day!

Ou: começando bem a semana.

Pois é. Tudo que a gente precisa é realmente muito pouco.

E aí ontem eu:

1- tomei café da manhã com o pessoal do trampo.

2- desci para almoçar em casa.

3- fiquei feliz com o tempo frio reinante em São Paulo.

4- falei via msn com a amiga italiana de quem eu morro de saudades.

5- retomei contato com pessoas bacanas da pós-graduação - contato retomado de um tanto que já marcamos a happy hour.

6- falei via skype com a amiga de Nova York de quem eu morro de saudades absurdamente.

7- fechei minha noite ouvindo o Henrique Meirelles soltar pataquadas no Jornal da Globo.

(sobre o Meirelles, a crise, e o subprime, depois eu falo)

O ponto é: uma semana que começa assim não tem muito como dar errado.

15.9.08

"Amanhã é domingo, menina...

Ninguém vai te acordar. Deixa chover na esquina, deixa a vida rolar..."

Sábado à noite fui dormir cantarolando essa música.

Tinha sido um sábado do tamanho e do jeito que eu precisava que ele fosse... Sexta à noite a frente fria chegava e eu estava no teatro dando risada e depois na lanchonete comendo um bom hamburger e ficando um pouco assustada com a mediocridade à qual certas pessoas podem se submeter eventualmente. Sábado ao acordar eu tinha dormido tão bem que as olheiras estavam significativamente menores. E aí eu fui ao cabeleleiro, deixar o cabelo macio, e como um passe de mágica, ele ficou mais macio mesmo. Depois, festa de família. Mas aniversário de criança é uma festa de família naturalmente mais feliz do que as outras... ainda mais de um menino tão simpático e tão legal quanto ele, e que mora longe, e que fala (desde os dois anos de idade) com sutaque nórdeshtino: "Pegue o balão para mim, pegue". E meus pais deitavam e rolavam com o sobrinho-neto deles de um jeito tão lindo, que os olhares e os sorrisos pediam netos para mim e pro meu irmão. Pediam de um tanto que o resto da família toda reparou e enxeram nosso saco, que já está na hora de nos ajeitarmos nessa vida, porque nossos pais querem netos. Depois eu fui para a casa da amiga boa, ter conversa boa, com um amigo gente boa, deitados em almofadas boas, ouvindo músicas boas, tendo boas viagens e devaneios coletivos em três. E aí comemos "ovo mexido gourmetado". Voltei para casa feliz da vida - feliz com tão pouco, mas muito feliz mesmo.

Então eu cheguei em casa, me arrumei para ir dormir, e deitei na cama. E assim que eu deitei na cama, comecei a ouvir os pingos de chuva lá fora. E aí comecei a cantar. "Minas com Bahia", música gostosa de dueto de Samuel Rosa e Daniela Mercury.

Sempre gostei dessa música, e gosto dela mais ainda desde que descobri mesmo que Minas e Bahia são dois estados desse Brasil que me são muito muito muito queridos. As pessoas, os lugares, as músicas, os cheiros, as comidas, as paisagens. Tudo isso em cada um desses estados me é muito querido.

E a frase "amanhã é domingo, menina / ninguém vai te acordar / deixa chover na esquina / deixa a vida rolar" é fantástica para um sábado à noite chuvoso, prenúncio de um domingo chuvoso.

13.9.08

O romantismo segundo Frejat

Tudo bem que tem o jabá e todas aquelas outras coisas que a gente já sabe que contam muito mais para uma música tocar sem parar nas rádios, para além do simples critério “mérito”. Mas o fato é que quando eu gosto da música, fico feliz que ela toque sem parar. E hoje ela tocou na minha “uma hora de limbo” de todas as manhãs.

(Parágrafo gigantesco para explicar a “uma hora de limbo”: essa é aquela exata uma hora em que a Cidoca já entrou no quarto para me acordar; que a persiana já está levantada e a luz do sol já bate na janela vizinha e reflete justo no meu quarto; e que o despertador (com música) já foi disparado; mas que mesmo com tudo isso eu fico localizada exatamente na tênue realidade paralela do limbo entre o sonhar acordada e dormir profundamente (fase REM do sono), e entre o olho aberto e o olho fechado, quando tudo fica simplesmente em um meio-termo muito abstrato.)

A música que tocou na minha “uma hora de limbo” é a nova do Frejat, que está tocando bastante e em várias rádios (já ouvi na Nova Brasil, Brasil 2.000, Eldorado, Mitsubishi, etc). E sempre que eu ouvia essa música eu ficava feliz... mas hoje, que eu acordei ouvindo ela, grudou na cabeça e eu estou o dia inteiro cantarolando “vou começar pedindo a sua mão...”

A letra dela é bem parecida com a letra de “Por você”, é um romance lindo vivido por duas pessoas normais e bem de carne e osso. Não tem o drama das sertanejas, nem o grude brega do amor pagodeiro. Não tem o lirismo do Vinícius, e nem as idealizações e metáforas lindas do Tom. E nem a responsabilidade de ser um “amor único” como em “My first, my last, my everything” do Barry White. Não tem toda a poesia baiana e meio cosmopolita e meio hippie do amor da Tropicália. Também não tem todo o sofrimento e o auto-esquartejamento promovido pelo drama acentuado da esparrela da soprano de quinta. E também não é a invenção de uma mulher - a Penny Lane - pelos Beatles.

O romantismo do Frejat me faz os olhos brilharem. É o amor possível dos dias de hoje. É um pouco um amor do Cazuza. Só que é um romantismo mais bem-humorado do que o do Cazuza, e nem por isso leviano. Mas com certeza, mais leve. E mais contemporâneo também.

Pôxa, o Frejat dormiria de meia para virar burguês. Ele limparia os trilhos do metrô, e iria a pé do Rio a Salvador. Ele quer uma mulher normal do povo, e não uma mulher global de novo. Ele quer uma mulher que o ame no Natal e no Ano Novo.

É isso, é um romantismo gostoso, é uma declaração de amor que poderia muito bem fazer parte da vida de qualquer um de nós. É muito mais real que uma poesia – e não deixa de ser poético, mas para além da poesia por si só, é uma poesia assim, humana, atingível, plausível. É o amor que não só sonha – mas que vive a realidade e que é feliz exatamente pela possibilidade de vivenciar essa coisa gostosa.

Na verdade, sei lá.

Acho que estou assim, um pouco frejatiana, depois de ter apanhado bastante do amor sonhador ao longo da vida. E depois do ápice desse ano (queda dura de altura alta caída duas vezes, quase que uma morte morrida das minhas idéias românticas), hoje em dia consigo usar todas as máscaras junguianas menos a da “romântica sonhadora” – e muito por isso eu estou tão sozinha que absolutamente nenhuma pessoa ocupa meus pensamentos e meus sonhos – coisa que nunca deve ter acontecido antes na minha vida. Estou navegando em mares nunca dantes navegados – e sim, isso é delicioso.

Percebendo que aquele amor da “romântica sonhadora” que ouvia Vinícius ("você quer ser minha namorada?") e divagava, que ouvia Chico ("amo tanto e de tanto amar...") e sonhava acordada, amor esse tão cheio de lacunas geradas pelo excesso de expectativas, amor esse tão sozinho – eu, enamorada por alguém que era um habitante do meu imaginário (com todas as distorções da realidade que isso possa incluir), no final das contas nunca deixei de ser uma linda e sorridente solitária.

Não é mais esse o amor que eu quero para mim. O que eu quero é o amor que habita muito mais o meu dia-a-dia do que ele habita o meu imaginário (e isso nunca aconteceu antes na minha vida).

E é exatamente por isso que fico tão feliz cantarolando o amor frejatiano para cima e para baixo em plena sexta feira ensolarada – mesmo que a priori eu nunca tenha vivenciado de verdade o que seja isso.

Coloco aqui as letras das músicas, para quem não sabe do que eu estou falando.

Eu Não Quero Brigar Mais Não
Eu amo o cheiro do seu cabelo
Eu amo o nosso amor assim
Sem dor de cotovelo
Vamos pra bem longe daqui
O vira-lata e a gata
Meu bem
Pode levar o novelo
O nosso amor não é só de pele
E de pêlo
Se quiser ter um neném
Tudo bem, vamos tê-lo
O nosso amor vai da água pro vinho
Às vezes é feito baixinho
Às vezes acorda o vizinho
Penso em você
O meu coração se aquece
Penso em nós dois
E as peripécias da espécie
Esquece a nossa última briga
Lembra o primeiro beijo
E ouça essa cantiga
Eu não quero brigar mais não
Eu quero você toda pra mim
Vou começar pedindo a tua mão
Você é aquela que o meu coração habita
Única e favorita
Estrela da minha vida
E da minha escrita
Eu fico sorrindo de orelha a orelha
Você com a pele bonita
Que fica sempre vermelha
Quando eu te amo de forma infinita
Somos Bambam e Pedrita
Eu não quero brigar mais não
Eu quero você toda pra mim
Vou começar pedindo a tua mão
Eu quero uma mulher normal
Do povo
Não quero uma mulher global
De novo
Quero uma mulher que me ame no Natal
E no Ano Novo
Amor no caviar
No pão com ovo
Namoro num Fusquinha ou num Volvo
Quero uma mulher que me ame no Natal
E no Ano Novo
Eu não quero brigar mais não
Eu quero você toda pra mim
Vou começar pedindo a tua mão

Por Você
Por você eu dançaria tango no teto,
Eu limparia os trilhos do metrô,
Eu iria a pé do Rio a Salvador...
Eu aceitaria a vida como ela é,
Viajaria a prazo pro inferno,
Eu tomaria banho gelado no inverno.
Por você...
Eu deixaria de beber,
Por você...
Eu ficaria rico num mês,
Eu dormiria de meia pra virar burguês.
Eu mudaria até o meu nome,
Eu viveria em greve de fome,
Desejaria todo o dia a mesma mulher...
Por você...
Por você,
Conseguiria até ficar alegre,
Pintaria todo o céu de vermelho,
Eu teria mais herdeiros que um coelho.
Eu aceitaria a vida como ela é,
Viajaria à prazo pro inferno,
Eu tomaria banho gelado no inverno.
Eu mudaria até o meu nome,
Eu viveria em greve de fome,
Desejaria todo o dia a mesma mulher.

8.9.08

Y-O-G-A

(pronunciado pausadamente, como quem respira, expira, inspira, lentamente, respeitando o ritmo do próprio corpo e não o ritmo imposto por conjunturas externas à nós)

Fiquei duas semanas sem ir à Yoga. Hoje quando saí do trabalho às sete e meia da noite estava me sentindo uma super revoltada ultra revolucionária com um rompante de indisciplina radical que joga a toalha e vai embora, esquecendo o Inbox abarrotado, e corre para a yoga.
A ironia fina é importante de ser destacada: revolta, revolução e indisciplina não há nenhuma quando já são 19.30 e você ainda está no trabalho. Não, eu não fui displicente com meus compromissos profissionais - embora a priori fosse assim que eu me sentisse. E é nessa contradição (realidade/sensação) que reside a ironia fina. E também nos termos usados para descrever essa sensação: rompante de indisciplina radical pode ser um bom exemplo disso.

OK.
Continuemos sem mais metalinguísticas-dialéticas-auto-explicativas.

Voltando ao ponto onde interesse: larguei lá o Inbox abarrotado e desci a mil por hora, vento gelado no rosto, para a yoga. Fiquei duas semanas sem ir à yoga - meu corpo já gritava: yoga, yoga, yoga, yoga, um gritinho assim, exaurido e abafado ao mesmo tempo. Gritinho de ombro duro, de lombar gritando, de canela dolorida, de pescoço travado. Eu posso não conseguir ir à yoga com a boa e velha frequência de sempre desse primeiro semestre de 2008 - 3 ou 4 vezes por semana. Posso me esforçar em excesso para ir duas vezes por semana, ao sair do trabalho. Mas, pôxa vida, ficar 15 dias sem yoga é displicência demais comigo mesma!

Cheguei em casa, tirei correndo a roupa do trabalho, coloquei correndo a roupa da yoga (ah, como eu gosto de Crocs nos meus pés) e me joguei na cama estatelada (aquela cena de filme que a pessoa senta na beira da cama, coloca o sapato, e dá aquela oscilada antes de partir para a próxima: deita e fica vendo a luz do quarto no teto, admirando o nada, e tomando coragem).

Contra tudo e contra todos, a favor dos gritinhos abafados que meu corpo tem dado ultimamente, fui. E a uma hora e meia da yoga de hoje (obrigada, Marcella, professora, mestra e amiga!) foi o suficiente para que eu começasse nova uma nova semana. É engraçado isso, o corpo pedia taaanto a yoga nos últimos tempos, que para além de todas as "posições mágicas" que tenho conseguido fazer após esse um ano praticando (sim, essa semana comemoro um ano de aniversário de Mariana-yogi), hoje fiz as posições mágicas e me estiquei muito, muito muito.

Saí de lá com um trato, um trato quieto e silencioso, mas que eu coloco aqui para depois eu não me trair - e ter testemunhas: Mariana - a pessoa vs. Mariana - o corpo.

Meu trato é:
te prometo, ó corpinho de gritos abafados, que vou à yoga no mínimo duas vezes por semana. Te prometo, ó corpinho, que a acupuntura será quinzenal. Te prometo, ó corpinho, que me esforçarei ao máximo para que você não pague mico na dança. Te prometo, ó corpinho, que vou dormir mais cedo e não acordar mais tão atrasada.

Rolling Stones já cantou: you cant' always have what you want. Eu estou devidamente mergulhada na eterna luta entre o tempo que eu cuido de mim e o tempo que eu cuido do meu trabalho.

Anyways, não queria perder tanto o foco assim. Quando li Comer, Rezar, Amar, a moça do livro foi praticar yoga e meditação em um ashram da India. E o que ela escreve sobre a importância da yoga na vida dela é tão lindo e é tão eu, que eu tomo a liberdade de reproduzir por aqui.

Esse era meu foco inicial (mas eu sou uma pessoa que me perco em meus pensamentos e em minhas idéias mesmo quando estou escrevendo): simplesmente falar como a yoga do dia de hoje mudou radicalmente a minha vida, e como o que a Liz Gilbert (do Comer, Rezar, Amar) escreveu sobre a prática da yoga é exatamente, literalmente, coincidente com o que eu penso da yoga.

Yoga, em sânscrito, pode ser traduzido como união. A origem da palavra é o radical yuj, que significa algo como dedicar-se a uma tarefa com a disciplina de um boi. A tarefa do ioga é encontrar a união - entre mente e corpo, entre indivíduo e o seu Deus, entre nossos pensamentos e a origem de nossos pensamentos, entre professor e aluno, e até mesmo entre nós e nossos semelhantes às vezes tão pouco flexíveis.
Ioga pode também significar tentar encontrar Deus por meio de meditação, por meio do estudo erudito, por meio da prática do silêncio, por meio do serviço de devoção, ou por meio de um mantra - a repetição de palavras sagradas em sânscrito.
O caminho do ioga consiste em desatar os nós inerentes à condição humana, algo que definirei aqui, de forma extremamente simplificada, como a desoladora incapacidade de sustentar o contentamento. Ao longo dos séculos, diferentes escolas de pensamento encontraram várias explicações para o estado de aparente falha inerente ao ser humano. Os Taoístas chamam-no de desequilíbrio, o Budismo, de ignorânciam o Islamismo põe a culpa de nosso pesar na rebelião contra Deus e a tradição Judaico-Cristã atribui todo nosso sofrimento ao pecado original. Os freudianos afirmam que a infelicidade é o resultado inevitável de um embate entre nossas pulsões naturais e as necessidades da civilização. Os iogues, no entanto, dizem que o descontentamento humano é um simples caso de identidade equivocada. Nós somos infelizes porque achamos que somos meros indivíduos, sozinhos com nossos medos e falhas, com nosso ressentimento e nossa mortalidade. Acreditamos equivocadamente que nossos pequenos e limitados egos constituem toda nossa natureza. Não conseguimos reconhecer nossa natureza divina mais profunda. Não percebemos que, em algum lugar dentro de todos nós, existe um EU SUPREMO que está eternamente em paz. Esse EU SUPREMO é a nossa verdadeira identidade, universal e divina. Se você não perceber essa verdade, dizem os iogues, estará sempre desesperado, idéia expressa de forma inteligente na seguinte frase irritada do filósofo estóico grego Epítero: ”Você leva Deus dentro de si, seu pobre desgraçado, e não sabe disso!”
Ioga é o esforço que uma pessoa faz para vivenciar pessoalmente a sua divindade, e em seguida para sustentar essa experiência para sempre. Ioga é o domínio de si e o esforço dedicado a desviar a atenção de reflexões intermináveis sobre o passado e preocupações infindáveis com o futuro para, em vez disso, conseguir buscar um lugar de eterna presença, de onde se possa olhar com tranqüilidade para si emso e paro o mundo ao redor. Somente dessa perspectiva de equilíbrio da mente é que a verdadeira natureza do mundo (e de você prórpio) lhe será revelada. Os verdadeiros iogues, de sua posição de equanimidade, vêem este mundo todo como a mesma manisfestação de energia criativa de Deus - homens, mulheres, crianças, nabos, piolhos, corais: tudo isso é Deus disfarçado. Mas os iogues acreditam que a vida humana, e somente com uma mente humana, é que a percepção de Deus pode ocorrer. Os nabos, os piolhos, os corais - eles nunca tem a oportunidade de descobrir quem realmente são. Nós temos essa oportunidade.
Nosso propósito nesta vida, portanto - escreveu Santo Agostinho, ele próprio um pouco iogue - é 'recuperar a saúde do olho do coração através do qual podemos ver Deus'.”
(”Comer Rezar Amar” de Elizabeth Gilbert/ editora Objetiva)

Só uma observação final: contraditória é uma pessoa que, por uma hora e meia - e apenas duas horas e meia atrás - vivencia o aquietamento profundo da mente e sua admiração diante do Sagrado - ali, tão próximo, tão dentro - e mesmo assim continua com o pensamento tão viajante que dá mil voltas em post para escrever o que eu queria ter escrito in the very first place.

Boa noite para vocês também - que ficar sem dormir, eu acho, tem-me feito mal, muito mal.