29.9.08

Sobre Nós

OU: como uma pessoa que tem praticado a "tolerância zero social" vê um evento tal qual o About Us.


Introdução - sobre o conceito de Tolerância Zero Social
Posso resumir esse conceito em algumas linhas apenas, e quem me conhece sabe que eu sou um pouco rabugenta com isso mesmo. Mas a idéia é basicamente que hoje em dia, e cada vez mais conforme os dias passam, meu tempo livre virou um dos meus ativos mais raros. Partindo desse pressuposto, entende-se que estou cada vez com menos paciência com as pessoas que me cansam de alguma forma (por mais subjetivo que isso possa ser, mas não ficarei explicando esse conceito porque ele diz unica e exclusivamente à minha pessoa). Enfim, "tolerância zero social" diz respeito a tempo escasso e a saber como gastar esse tempo, e diz respeito também a uma impaciência crônica e perturbadora com relação às pessoas, atitudes, opiniões e demandas sociais que me cansam. E aí tenho me afastado e me aproximado de pessoas ciclicamente, e sentido saudades fortíssimas de algumas pessoas e uma rejeição inédita com relação a outras pessoas.


Sobre o About Us
Divido facilmente o festival em três partes, que não são totalmente separáveis entre si afinal dizem respeito ao mesmo festival, e ao mesmo tempo podem ser separadas para dar uma amenizada na rabugentisse social que me acomete.

Parte 1: Musical
Cheguei para o show da Vanessa da Matta (ponto alto, "História de uma gata") e saí após o Dave Matthews acabar seu show de quase duas horas e meia. Ben Harper e Dave Matthews fizeram dois shows não burocráticos e bem curtidos. Na verdade, tudo o que eu queria era isso: ver a festa no palco que Dave e seu bando fazem, a delícia do improviso, do instrumental prolongado, dessa mistura de um pouco de tudo, folk, country, rock, tudo isso com muito sopro e muita percursão. Antológica foi a visita que o Ben fez ao Dave no palco; e apenas um pouco melhor do que apenas para cumprir tabela, a visita que a Vanessa da Matta fez ao Ben. Voltando à festa no palco, no gramado a festa refletia em nós, que dançávamos sem jeito e um pouco bobos de alegria de ver aquele espetáculo orquestrado pelo cara simpático e de voz rouca. Ele disse: "it is overwhelming to be here" e eu, que estava brincando de tradução simultânea, disse: "estou extasiado de estar aqui". E aí "extasiado" virou nossa palavra oficial do show.
Se eu fosse alguém com poder de avaliação, eu daria nota: +++

Parte 2: Sustentável
Juro que eu queria que a parte sustentável do show desse certo e fosse um sucesso. Mas seria uma falácia falar que foi. Triste isso. Iniciativas bacanas na entrada do show eram simplesmente ignoradas pelo público que usava essa área simplesmente como passagem. Tendas vendendo produtos "About us" estavam em todos os lugares - tinha mais dessas tendas do que lanchonete vendendo comida, por exemplo. Aí a gente pára e pensa: os bróders que organizaram esse show se esqueceram que o consumo e a conscientização do consumo também faz parte da criação da sustentabilidade. Eles também se esqueceram que há lugares e lugares: em um festival de dia inteiro, comida orgânica e integral a preço de ouro não é o que o público (que já pagou caro pelo ingresso, diga-se de passagem) quer comer. Se a sustentabilidade, portanto, estava nas comidas e nas iniciativas bacana, esqueça dela. Porque ninguém viu, ninguém notou, ninguém nada - muito pelo contrário: da comida, as pessoas até reclamaram. Mas, veja só você, a sustentabilidade também estava nos telões do palco, com depoimentos de gente famosa pela fama (Ciça Guimarães, Global) e gente famosa pelo mérito (Carlos Minc, Ministro do Meio Ambiente). Grande ironia essa: era no intervalo dos shows, e ninguém estava nem aí para o que passava no telão. Quem poderia ter ajudado alguma coisa com relação à sustentabilidade, os artistas que subiram ao palco, de fato não ajudaram, porque ninguém disse nada sobre sustentabilidade. Agora entrando em ação a versão mais chata de mim mesma (a versão da politicamente correta), outro ponto de crítica: no mundo em que eu vivo ainda não inventaram cadeira de rodas off road. Não é à toa que eu não vi nenhum cadeirante nesse evento: o acesso era simplesmente impossível.
Se sustentabilidade é pluralidade eu dou nota: --

Parte 3: Público.
Era mais ou menos assim: 50% do público tinha de 15 a 25 anos, e outros 50%, de 25 a 35 anos. Outra divisão possível é que 50% estava lá porque gosta do som dos caras, e queria ouvir boa música, bom som, se divertir.
E os outros 50% estavam lá "pagando de gatinhos", totalmente "cool wannabe", simplesmente por ser um festival amplamente divulgado e com atrações cujas músicas essas pessoas conheciam no máximo duas ou três. Essa galera que estava lá pagando de gatinho era constituída por meninas maquiadas (mesmo no esquema off road, por mais contraditório que pareça), com base, rímel, lápis, gloss (urgh, eu odeio gloss em mim e um pouco mais ainda odeio gloss nos outros) e shortinhos ou sainhas e muitas vezes blusinhas decotadas de viscolycra com algum modelo bacaninha (congelando de verdade naquele frio outonal que fez naquela tarde); e meninos com tênis, bonés, calças jeans, de marcas bacaninhas e famosinhas. Todos assim, lá nesse show muito pelo hype que rolou em torno dele, sem entender ao certo o que estavam fazendo lá, mas sabendo muito bem que era legal o fato de eles estarem lá. Um amigo meu, jornalista de um veículo de imprensa de grande circulação que esteve no evento para fazer a cobertura, em um desabafo via msn disse o seguinte:
"Bom, "fãs" no sentido estrito da palavra (gente que conhece discografia, letra de música, acompanha há tempos etc.), sempre são poucos. Tirando, é claro, as megabandas, o que não era o caso ontem. Ou seja, em qualquer show, a maior parte do público não é exatamente de "fãs" (salvo casos atípicos como o Los Hermanos), mas de gente que conhece os sucessos e gosta. E esse me parecia ser exatamente o tipo de gente que estava lá ontem. Não foi gente que foi só pra ver - neguinho conhecia os sucessos do Ben Harper e da DMB - não sabiam cantar, não sabiam os nomes das músicas, não sabiam mais nada, mas sabiam que já tinham ouvido. Ouvi muito "ah, é essa". Você não achou que Dave Matthews e Ben Harper iam atrair um público indie, né? Era aquilo ali, aquele pessoal da firma."
Então é um pouco isso: pessoas que estavam lá pelo hype, no melhor dos esquema "pagando de gatinho", "cool wannabe", "pessoal da firma".
Se eu não tivesse telhado de vidro eu daria nota: -----------

De uma forma ou de outra, posso estar rabugenta mas não serei injusta.
Os shows do Ben Harper e do Dave Matthews compensaram o trânsito na chegada e a fila de uma hora e meia para sair do estacionamento no final; compensaram os 50% deprimentes do público bizarro; compensaram essa hipocrisia retórica da sustentabilidade no evento, com um palco gastando sei lá quantos milhares de energia elétrica e emitindo uma quantidade absurda de CO2 na atmosfera (porque até onde eu me lembre o intuito era neutralizar as emissões de carbono).

E tenho dito.

5 comentários:

Anônimo disse...

Salve, salve.
Não levou nem 10min pra eu atualizar a pág para conferir se o comentário tinha funcionado... e tive uma surpresa. hahahaha

Adorei a descrição das pessoas que estavam por lá, e a parte do gloss me fez rir muito. Não quero parecer fútil dando enfase só para isso, mas foi demais.

Qual parte do evento, realmente "vestiu a camisa" e cumpriu com a "idéia" do evento?

A próposito, não comentou sobre Seu Jorge... fiquei curioso em saber qual foi sua leitura do show dele. Sobre o NXZero, nem precisa comentar aposto que seria algo bem engraçado.Hahahahaha...

Bjo

Fernanda Bello disse...

Adoro cada um de seus pensamentos sempre afiados. Faz bem em escrever aqui tudo isso. Esse texto merecia ser publicado em primeira folha de jornal. Bjo.

Fabi e Eder disse...

Oi Marizinha, vou registrar minhas visitas. 1. Porque quem escreve quer ser lido, e 2. porque gosto efetivamente do que vc escreve.
Saudades do dolce far niente;
Beijos,
Fabi aMa

Marix Flammes, Nina. disse...

Vamos lá, respondendo um a um...
Fêzoca, nenhuma panfletagem barata não embasada tal qual esse texto merece primeira página de jornal. Por isso que decidi não ser jornalista: escrevo as minhas besteiras com mais liberdade aqui, e sem me preocupar em ser "formadora de opinião" nesse fórum de alcance limitado que é meu blog.
Fabi, obrigada por comentar. Acho legal cada vez que descubro pessoas que lêem aqui mas que não deixam comentários. Mas posso dizer que fico mais feliz ainda quando quem vem, comenta. Além disso, você é uma querida muito querida, viu?
Gustavo, muito me entristeceu quando fiquei sabendo que chegeui no About Us tarde demais pro Seu Jorge. Também fiquei acabada quando descobri que o NXZero tinha sido o primeiro show... enfim, como eu adoro os "cool wannabe", na próxima vez que tiver um show do NXZero e do Seu Jorge, prometo que eu vou. Daí eu te conto, tá? Com relação à escrever mais e à inspiração, na verdade não é falta de inspiração... é falta de tempo mesmo. Escrevo na minha medida do possível.
Beijos aos três,
eu.

Fernanda Bello disse...

Mas é justamente isso que é tão bacana... porque é livre.
Bjo.