13.9.08

O romantismo segundo Frejat

Tudo bem que tem o jabá e todas aquelas outras coisas que a gente já sabe que contam muito mais para uma música tocar sem parar nas rádios, para além do simples critério “mérito”. Mas o fato é que quando eu gosto da música, fico feliz que ela toque sem parar. E hoje ela tocou na minha “uma hora de limbo” de todas as manhãs.

(Parágrafo gigantesco para explicar a “uma hora de limbo”: essa é aquela exata uma hora em que a Cidoca já entrou no quarto para me acordar; que a persiana já está levantada e a luz do sol já bate na janela vizinha e reflete justo no meu quarto; e que o despertador (com música) já foi disparado; mas que mesmo com tudo isso eu fico localizada exatamente na tênue realidade paralela do limbo entre o sonhar acordada e dormir profundamente (fase REM do sono), e entre o olho aberto e o olho fechado, quando tudo fica simplesmente em um meio-termo muito abstrato.)

A música que tocou na minha “uma hora de limbo” é a nova do Frejat, que está tocando bastante e em várias rádios (já ouvi na Nova Brasil, Brasil 2.000, Eldorado, Mitsubishi, etc). E sempre que eu ouvia essa música eu ficava feliz... mas hoje, que eu acordei ouvindo ela, grudou na cabeça e eu estou o dia inteiro cantarolando “vou começar pedindo a sua mão...”

A letra dela é bem parecida com a letra de “Por você”, é um romance lindo vivido por duas pessoas normais e bem de carne e osso. Não tem o drama das sertanejas, nem o grude brega do amor pagodeiro. Não tem o lirismo do Vinícius, e nem as idealizações e metáforas lindas do Tom. E nem a responsabilidade de ser um “amor único” como em “My first, my last, my everything” do Barry White. Não tem toda a poesia baiana e meio cosmopolita e meio hippie do amor da Tropicália. Também não tem todo o sofrimento e o auto-esquartejamento promovido pelo drama acentuado da esparrela da soprano de quinta. E também não é a invenção de uma mulher - a Penny Lane - pelos Beatles.

O romantismo do Frejat me faz os olhos brilharem. É o amor possível dos dias de hoje. É um pouco um amor do Cazuza. Só que é um romantismo mais bem-humorado do que o do Cazuza, e nem por isso leviano. Mas com certeza, mais leve. E mais contemporâneo também.

Pôxa, o Frejat dormiria de meia para virar burguês. Ele limparia os trilhos do metrô, e iria a pé do Rio a Salvador. Ele quer uma mulher normal do povo, e não uma mulher global de novo. Ele quer uma mulher que o ame no Natal e no Ano Novo.

É isso, é um romantismo gostoso, é uma declaração de amor que poderia muito bem fazer parte da vida de qualquer um de nós. É muito mais real que uma poesia – e não deixa de ser poético, mas para além da poesia por si só, é uma poesia assim, humana, atingível, plausível. É o amor que não só sonha – mas que vive a realidade e que é feliz exatamente pela possibilidade de vivenciar essa coisa gostosa.

Na verdade, sei lá.

Acho que estou assim, um pouco frejatiana, depois de ter apanhado bastante do amor sonhador ao longo da vida. E depois do ápice desse ano (queda dura de altura alta caída duas vezes, quase que uma morte morrida das minhas idéias românticas), hoje em dia consigo usar todas as máscaras junguianas menos a da “romântica sonhadora” – e muito por isso eu estou tão sozinha que absolutamente nenhuma pessoa ocupa meus pensamentos e meus sonhos – coisa que nunca deve ter acontecido antes na minha vida. Estou navegando em mares nunca dantes navegados – e sim, isso é delicioso.

Percebendo que aquele amor da “romântica sonhadora” que ouvia Vinícius ("você quer ser minha namorada?") e divagava, que ouvia Chico ("amo tanto e de tanto amar...") e sonhava acordada, amor esse tão cheio de lacunas geradas pelo excesso de expectativas, amor esse tão sozinho – eu, enamorada por alguém que era um habitante do meu imaginário (com todas as distorções da realidade que isso possa incluir), no final das contas nunca deixei de ser uma linda e sorridente solitária.

Não é mais esse o amor que eu quero para mim. O que eu quero é o amor que habita muito mais o meu dia-a-dia do que ele habita o meu imaginário (e isso nunca aconteceu antes na minha vida).

E é exatamente por isso que fico tão feliz cantarolando o amor frejatiano para cima e para baixo em plena sexta feira ensolarada – mesmo que a priori eu nunca tenha vivenciado de verdade o que seja isso.

Coloco aqui as letras das músicas, para quem não sabe do que eu estou falando.

Eu Não Quero Brigar Mais Não
Eu amo o cheiro do seu cabelo
Eu amo o nosso amor assim
Sem dor de cotovelo
Vamos pra bem longe daqui
O vira-lata e a gata
Meu bem
Pode levar o novelo
O nosso amor não é só de pele
E de pêlo
Se quiser ter um neném
Tudo bem, vamos tê-lo
O nosso amor vai da água pro vinho
Às vezes é feito baixinho
Às vezes acorda o vizinho
Penso em você
O meu coração se aquece
Penso em nós dois
E as peripécias da espécie
Esquece a nossa última briga
Lembra o primeiro beijo
E ouça essa cantiga
Eu não quero brigar mais não
Eu quero você toda pra mim
Vou começar pedindo a tua mão
Você é aquela que o meu coração habita
Única e favorita
Estrela da minha vida
E da minha escrita
Eu fico sorrindo de orelha a orelha
Você com a pele bonita
Que fica sempre vermelha
Quando eu te amo de forma infinita
Somos Bambam e Pedrita
Eu não quero brigar mais não
Eu quero você toda pra mim
Vou começar pedindo a tua mão
Eu quero uma mulher normal
Do povo
Não quero uma mulher global
De novo
Quero uma mulher que me ame no Natal
E no Ano Novo
Amor no caviar
No pão com ovo
Namoro num Fusquinha ou num Volvo
Quero uma mulher que me ame no Natal
E no Ano Novo
Eu não quero brigar mais não
Eu quero você toda pra mim
Vou começar pedindo a tua mão

Por Você
Por você eu dançaria tango no teto,
Eu limparia os trilhos do metrô,
Eu iria a pé do Rio a Salvador...
Eu aceitaria a vida como ela é,
Viajaria a prazo pro inferno,
Eu tomaria banho gelado no inverno.
Por você...
Eu deixaria de beber,
Por você...
Eu ficaria rico num mês,
Eu dormiria de meia pra virar burguês.
Eu mudaria até o meu nome,
Eu viveria em greve de fome,
Desejaria todo o dia a mesma mulher...
Por você...
Por você,
Conseguiria até ficar alegre,
Pintaria todo o céu de vermelho,
Eu teria mais herdeiros que um coelho.
Eu aceitaria a vida como ela é,
Viajaria à prazo pro inferno,
Eu tomaria banho gelado no inverno.
Eu mudaria até o meu nome,
Eu viveria em greve de fome,
Desejaria todo o dia a mesma mulher.

2 comentários:

Anônimo disse...

Que comentário lindo! Olha eu nem sou mulher que teoricamente tem mais'sensibilidade' putz... é o que eu quero pra mim também.. sorte nessa sua vida, esse comentario e a música estão reverberando na minha cabeça o dia todo. Um grande beijo
Obrigado.

Marix Flammes, Nina. disse...

Prezado Anônimo,
muito obrigada por seu comentário!
Sorte para todos nessa vida.
Um abraço,