10.7.08

Uma boa vida aqui

Mais uma vez eu vou babar ovo para as inúmeras possibilidades já descobertas e as ainda não exploradas e nem conhecidas dessa cidade. Poderia muito bem morar em Londres, Buenos Aires, Nova York ou Paris. No Brasil, penso até que me mudaria para Brasília, Porto Alegre, e Curitiba, mais ao norte não porque o pseudo frio brasileiro e a possibilidade de fazer 10 graus ou menos me é por demais necessária (pelo menos fica a esperança da chegada da frente fria).

Fico feliz, inclusive, que nesse ano o inverno está com cara de inverno, as frentes frias chegam e vão, o dia é ensolarado e a noite é bem geladinha. Mas não vou me enveredar pelo caminho da meteorologia, outro dia falo disso. O meu ponto é que eu poderia muito bem morar em outros cantos, mas moro em São Paulo por "n" motivos, sendo o mais marcante deles é que eu nunca me mudei daqui.


E essa cidade, tão dura, tão cinza, tão cheia, tão poluída, tão impraticável, que muitas pessoas não gostam, ainda me encanta. Me encanta porque nela residem pequenas coisas, eventos, possibilidades, que formam uma mistura deliciosa em prol do meu amor infinito por aqui, que vai além do fato de essa ter sido a minha casa desde sempre, e minha família, amigos, e meu coração morarem aqui.

(Mas gostaria de deixar aqui meu protesto. Não cabe mais. Aqui realmente não cabe mais um prédio e um carro sequer, peloamordedeus, que a capacidade de São Paulo já está bem devidamente esgotada.)


Dando louros aos que merecem, vou mencionar aqui algumas das últimas coisas só de São Paulo que andei fazendo e que me deixaram feliz da vida.

- Comemoração de 100 anos da Imigração Japonesa no Planetário
Espetáculo: Ryoto.
O trajeto feito pelo primeiro barco imigrante aqui no Brasil, e retratado pelo céu que mudava pelo caminho e pelas diferentes lendas para explicar as estrelas nos diferentes países. De trilha sonora, uma flauta tipicamente japonesa. Espetáculo muito bonito e emocionante, que mistura história, diversas mitologias, astronomia e música.

- "A Noite dos Palhaços Mudos"
Espaço dos Parlapatões, Pça Roosevelt, 4as e 5as às 21hrs, até o final de julho.
Encenada pela La Mínima e escrita pelo Laerte.
Peça linda, demais engraçada, com expressões faciais e corporais extremamente bem elaboradas a ponto de tornar a voz um instrumento absolutamente desnecessário. Discutimos qual seria a melhor cena, e eu achei particularmente a queda de lá de cima com o guarda-chuva. Mas muita gente adorou a perseguição, teve gente que adorou a escalada pela janela, ou as caminhadas lá no alto, quase perto de cair, e todo o medo de altura estampado na cara deles. A cerveja que se seguiu, e a carne seca temperada com a maionese especial do Papo, Pinga e Petisco, e a conversa sempre tão boa, tudo isso fez dessa despretenciosa noite de quinta uma das mais gostosas que há muito eu não via.


- Uma cerveja no Hassan
Lá em uma esquina escondida na Lapa longínqua um boteco fez fama com meu primo e meu irmão, e por coincidência fica do lado da escola onde meu pai faz aulas de canto, então marcamos todos... Meu pai, seus filhos, e alguns de seus sobrinhos. Sábado passado a noite estava gelada, e a rua do Hassan fazia um vento encanado absurdo, gelado. O boteco é boteco mesmo, o típico pé sujo, com comidinhas com cara de duvidosa, cadeiras de alumínio com a eterna sensação de uma iminente queda. Quatro horas sentada na mesa do bar, comendo petiscos árabes muito bons, e tomando uma boa cerveja , e deixei lá menos de dez reais. Um bom boteco, e realmente barato. Quando cheguei em casa meu nariz ainda estava com a ponta congelada.


- Um vinho no Kilyx
Estava eu quinta passada querendo fazer alguma coisa de diferente que se pode fazer em São Paulo, querendo explorar territórios nunca dantes navegados. E eu nunca tinha ido a um winebar, por mais que eles estejam ficando cada vez mais populares aqui. Até que a nova-iorquina me aborda querendo ir a um winebar. Seria ótimo, juntando minha vontade de explorar o desconhecido, a vontade dela por um paladar específico, e a nossa vontade por uma noite de conversas adoráveis. E bebemos uma garrafa do vinho branco (é mel? é ameixa?) e outra do tinto (amadeirado, mas com nozes talvez?) tentando adivinhar os sabores escondidos por trás do Sauvignon Blanc e do Syrah. Gosto demais disso de bom vinho, a embriaguez do vinho é uma sensação fantástica, boa demais para ser compartilhada ou para ser curtida solitariamente. As conversas que acontecem com um copo de vinho na mão são absolutamente sensíveis. E aí, na nossa super noite dos prazeres gastronômicos que essa vida pode nos oferecer, emendamos no Havanna. Emendamos com vontade, tomamos um drink de café e chocolate especial de inverno, comemos bocaditos argentinos, dividimos nossas experiências com os argentinos... e a intimidade que sempre existiu simplesmente se acentuou belamente, de forma sutil e natural.


- Um show no Ibirapuera
Jovens homenageando João Donato: Marcelo Camelo, Marcelo D2, Bebel Gilberto, Adriana Calacanhoto, Fernanda Takai, Roberta Sá
Fazia frio quarta à tarde quando chegamos no parque, e já entardecia. O público estava inteiro sentado na grama, e Nelson Motta apresentava os cantores novos que entrariam no palco. A grama umida penetrava pela calça e deixava o bumbum frio, mas tudo bem, tudo era tão lindo, e estava tão legal, que era isso o que eu precisava. A qualidade do som não era das melhores, mas as músicas eram. E me permiti entrar em uma viagem gostosa de saudades embalada por "Naquela estação" na versão da Adriana Calcanhoto. Era a saudades da qual eu tanto fugia. Saudades como a sensação gostosa de sentir falta de alguma coisa boa que já esteve aqui e não está mais. Senti saudades de uma pessoa boa. Boa, maravilhosa, e com uma importância absurda na minha vida. A sensação que fica é que essas saudades sempre foram latentes e que eu estava precisando admiti-la para mim mesma. Finalmente consegui. Ao som de "Naquela Estação", com o J. Donato no piano e a Adriana Calcanhoto na voz. "Você entrou no trem e eu, na estação, vendo o céu fugir. Também não dava mais para tentar lhe convencer a não partir, e agora? Tudo bem, você partiu para ver outras paisagens."

Tudo isso aqui, em São Paulo, gastando no máximo R$ 10,00 pro programa, e aproveitando de fato tudo que de melhor essa cidade tem a nos oferecer.

Um comentário:

Anônimo disse...

Oi Marix,
que bacana ler as sensações mímicas do espetáculo A NOITE DOS PALHAÇOS MUDOS. Fico feliz e compartilho com cada pantomima discutida/preferida. A queda/salto com o guarda-chuva, a escalada e suas mudanças de plano. É bom a internet nos possibilitar essa informação pós espetáculos. Um abraço e aproveito para informar que essa é a última semana do "LaMínima" e espero que um dia possa assistir ao "Etc e Tal". No mais, sempre, FELIZ 2009 e com muito humor.