Todo mundo do meu trabalho corta o cabelo lá, e todo mundo tem uns cortes incríveis, modernérrimos.
Daí eu, que estou com um objetivo de ter cortes modernérrimos desde o ano passado, resolvi experimentar as tesouras dele. A minha cabeleleira conhece meu cabelo como ninguém, mas é bem cochinha nesse sentido. Ela não sabe de vanguardas, então eu tenho que ficar recortando revistas e levando lá. Uma hora cansa, então resolvi ir na mesma viagem das meninas e ter um corte com ele. Marquei para sábado, mas hoje fui para conhecer o cara.
Cheguei lá hoje e não dei nada pelo local. É uma portinha verde que dá para uma escada. Ele fica em cima de um buteco pé sujo. Tudo bem, é um buteco nos Jardins, mas não deixa de ser estranho um cabeleleiro style em cima de um buteco.
Tinha acabado a luz, então ele teve que descer as escadas para abrir a porta para mim. Bicha louca assumidérrima que é, desceu as escadas quase que em uma coreografia saltitante. Cabelos cacheados calculadamente despenteados, em um corte entre o corte quadrado e o black power. Um charme. Sobrancelhas feitas, lógico. Nas mãos, uma taça de vinho - nos pés, havaianas. Completava o look uma calça jeans dessas antigas e com cara de super confortáveis, uma bata branca com cara de comprada no México, bordada com umas flores coloridas. O charme final ficou por conta dos colares de contas verdes escuras que ele usava. E a peculiaridade extra é o sotaque gostoso e atacado de uma bicha-louca-baiana. A-do-ro.
Aí, subindo a escadinha, eu cheguei em um espaço meio lounge, meio cara de casa em reforma. Espalhados por esse espaço, poltronas antigas de veludo escuro, pufes para apoiarmos os pés, mesinhas de madeira trabalhada. Tudo com cara de brechó, e no som Edith Piaf arrasava com o clima blasé* de um salão-descolado-em-cima-de-um-buteco-nos-Jardins.
Ele corta o cabelo na frente de uma penteadeira no esquema "minha avó tinha". Um móvel de madeira antiga e bem escura e toda trabalhada, com um espelho gigantesco, e nas laterais do espelho o vidro era todo trabalhado. Em volta do espelho, uma moldura que se ligava ao móvel e que era toda talhada, linda, aquela coisa artesanal que eu adoro. Uma penteadeira do outro mundo, de muito bom gosto. Em cima dessa penteadeira, produtos de cabelo das mais variadas (e caras e melhores) marcas, e taças de vinho - naquele esquema que nenhuma taça combina com a outra.
Me colocou sentada na cadeira de cabeleleiro (o único objeto cliché de um salão de beleza que ele tem lá), e passou a mão loucamente para me ver a pessoa mais descabelada possível.
Me ofereceu um vinho, mas eu não aceitei - tinha que chegar em casa e ainda trabalhar. Aí começou o diálogo.
- Me conta, gata. O que você quer?
- Então, tá vendo? Meu cabelo está totalmente sem corte, e ele fica assim meio espetado. Eu quero tirar esse espetado, quero voltar a ter o cabelo cacheado, e ter uma cara bem muderrna**.
(ele continuou passando a mão loucamente pelo meu cabelo)
- Você veio no lugar certo! E que deslumbre essas luzes que você tem, hein?
- Pois é... fiz no ano passado e gostei do resultado. Nunca tinha feito antes, mas adorei.
- Agora, gata, me diz. Você sabe que esse espetado é porque o relaxamento que você fez é muito forte, né?
- Sei, sim. Pode reparar. Meu cabelo tem três fases: o da raiz do último relaxamento, que já cresceu; o do último relaxamento, que é um bem fraquinho; e o dos outros relaxamentos, que ficou assim, espetado.
- Mas você agora vai fazer só o fraquinhos nas próximas vezes, né?
- Vou, lógico.
- E você tem alguma restrição? No formato, no cumprimento...?
- Não, não tenho. Não tenho medo de cabelo curto e nem de cabelo armado. Só quero que ele fique muderrrno.
- Eu hein, que pessoa desprendida. Qual o seu signo?
- Escorpião...
- Ai, gata! Tenho medo de escorpião!! Não volta aqui sábado não...
(as outras mulheres blasés que estavam lá riram)
- Eu sou uma escorpiana boazinha...
- Então tá, pode voltar sim.
- Mas me conta um pouco, o que você imagina pro meu cabelo?
- GATA!!!! EU SOU UM CABELELEIRO AUTORAL!!!!!! Se você não confia em mim, não sei porque veio. Agora vai, vai, vai... se confiar em mim, seu horário é sábado às 11hrs. Seja pontual.
(me entochou para fora da cadeira, eu realmente ofendi o cara com essa pergunta. Resolvi matar no peito todo aquele ataque de cabeleleiro autoral.)
- Ok então. Pode deixar, nos vemos sábado, e eu serei pontual.
- AAAAAaaaaaaaahhh que alívio!!! É assim que se fala, gata! Vai arrasar com seu cabelo novo!
Um beijinho aqui, outro ali, em nenhum instante ele largou a taça de vinho.
Agora, fica para mim um mega friozinho na barriga de pensar o que será sábado - eu só quero que chegue logo, para estrear meu "look-arraso" no Churrasco-de-Todos-os-Churrascos e na baladinha que tem potencial.
*eu não sou blasé. Muito menos gosto de pessoas blasés e de ambientes blasés. Não tenho paciência pra isso. Mas esse lugarzinho, embora blasé, é um cantinho de mundo por demais interessante.
**muderrrno, assim mesmo, pronunciado exatamente assim, com esse sotaque inventado. Nessa minha fase de mudança de personalidade de looks, lugares a se frequentar, coisas a fazer, cortes de cabelo e companhias, sou auto-pejorativa para tudo e todos.
Melancolia
Há 3 anos
3 comentários:
pô, invejinha. depois quero ver o corte e saber quanto custa! manda fotinho!!! cortei o meu ontem e tinha levado uma fotinha da Maria Flor naquele especial Aline, mas o cara (que é bom) não conseguiu fazer o cabelo tão muderrrno quanto o da Aline. ainda não desisti, mas agora preciso de dois meses pra deixar crescer um pouco e recuperar a conta bancária!
ai.
fiquei com vergonha de nunca antes ter comentado.
logo agora que eu queria uma indicação desse cabelereiro.
Hello leitor Marco,
não fica com vergonha não. E seja bem-vindo.
O cabeleleiro fica na Al. Franca, não sei o número...
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