Há realmente MUITO tempo que eu não andava no trânsito matutino paulistano. E quando eu falo MUITO tempo, é de fato MUITO tempo.
Para ser mais específica, desde dezembro de 2007.
Na época (dezembro de 2007), eu andava por dez minutos por lugares arborizados e sem trânsito para ir de casa para o trabalho.
Logo em seguida, trabalhei de casa.
Antes desse lugar que me demorava só 10 minutos, eu trabalhava há 23 km de distância de casa, quase na divisa com Taboão da Serra - meu escritório ainda era no município de São Paulo, mas da minha janela eu via Taboão. Em uma cidade como São Paulo, mesmo que você tenha carro e que seu carro tenha ar condicionado, é uma prova de resistência de saúde mental trabalhar há 23km de casa e há 32km da faculdade (para onde eu ia à noite, na época).
E depois, onde estou hoje em dia, privilégio para poucos, vou a pé ao trabalho.
Ou seja, mesmo que indiretamente, minha trajetória profissional tem muito a ver com a minha trajetória de carro, e talvez elas tenham estabelecido entre si uma relação inversamente proporcional.
Enquanto que atualmente eu não me desloco de carro ao trabalho at all e minha vida profissional está ANIMAL e eu estou indo exatamente na direção onde eu queria ir, quando eu me deslocava por uma hora e meia (cada perna) minha vida profissional era aquela bagunça.
(Visualizem: quando o eixo x - deslocamento de carro - era uma média de 60km/dia, o eixo y - realização profissional - oscilava entre o zero-de-Kelvin e o 1. Hoje, que o meu eixo x tende a zero - excluindo-se uso do carro para lazer e outras atividades -, meu eixo y tende a algo muito alto, inumerável)
Óbvio que essa minha afirmação pode ser um contra-senso e tanto. Todo mundo que mora em um grande centro está sujeito a trabalhar muito longe de casa. E, se caso onde eu trabalho agora decidir se mudar para lá de Tabão da Serra*, onde Judas perdeu as meias, eu vou ter que pegar meu carro e ir - e isso é fato. Ou seja, um privilégio e uma sorte não podem ser um padrão.
(Para além disso, se eu morasse em Itaquera e tivesse que pegar um mototáxi, uma lotação, um ônibus, um trem, um metrô, baldeação na Sé, baldeação no Paraíso, e outro ônibus para chegar onde eu trabalho, eu faria sem reclamar e de cabeça baixa, certa da necessidade de levar o dinheirinho mensal para os meus cinco filhos, cada um com um pai diferente - mas eu não sou a personagem do "Linha de Passe" e por enquanto o intuito desse post não é que ele seja uma denúncia social)
Voltando às vacas magras antes de tamanha divagação.
Daí fazia muito tempo que eu não andava de carro pela manhã, nessa hora em que todos estão se deslocando de carro. Mas ontem eu tive que fazer isso, porque tive que fazer um exame lá no Fleury da República do Líbano e não teria jeito de ir a pé. E fazer isso foi realmente muito bom. Sabe? Aquele sol bom de manhã, de um dia que ainda vai ser quente, e todas as pessoas se dirigindo ao trabalho.
(Me senti parte da musiquinha da Jovem Pan de novo: "a cidade não desperta / apenas acerta a sua posição / porque tudo se repete / e às sete explode em multidão / portas de aço levantam / todos parecem correr / não correm de, correm para / para São Paulo crescer / vambora vambora / olha a hora, vambora vambora", bem no esquema positivista da "ordem e progresso", a Jovem Pan anuncia que todos fazem São Paulo crescer. Quando meu pai me levava para a escola, a gente TINHA que sair de casa antes das sete porque essa música toca no jornal da manhã pontualmente às sete. E meu pai, eu e meu irmão ADORÁVAMOS cantar essa musiquinha indo para a escola. E isso acontecia comigo, com minhas amigas e os pais delas, e aconteceu também com o MEU pai, quando o pai dele o levava paraa escola.)
O ponto é que me senti de volta à massa das pessoas que se deslocam, ainda com sono, ainda perturbadas com a perspectiva de um novo dia (que pela caras delas de manhã, é deve ser bastante maçante). E eu me desloco perfumada, banho tomado, cabelo lavado, janela aberta, música alta, saia florida, sandalinha rasteira. Dentro do meu BlueBerry, companheiro de aventuras. E ao mesmo tempo, em uma sensação quase infantil, eu estava lá: realizada de pegar o trânsito da República do Líbano às oito da matina. Simplesmente porque aquilo me parecia uma sensação inédita.
E no retorninho que eu peguei, e que eu pegava quando eu voltava do parque de carro de manhã cedinho depois dos meus treinos de corrida, sempre tinha um cadeirante que pedia dinheiro. E ele estava lá ontem de novo. E ele sempre me chamava de boneca de porcelana, elogiava meu sorriso, e falava "para você eu não tenho nem coragem de pedir uma moeda!". Ontem, quando eu passei por ele, ele abriu um sorrisão e disse "Boneca de porcelana! Eu achava que você não existia mais! Que saudades!" E ficou lá, debruçado na minha janela, batendo papo. Quando o farol abriu, ele se despediu: "falar com você me vale muito mais do que uma moeda, apareça sempre!"
E incrível, porque ser elogiada com um cadeirante que (não) me pede uma moeda pode ser a coisa mais boba do mundo. Mas de fato, na época que eu corria ele fazia meu dia muito mais feliz com tudo isso de elogio. E ontem ele fez, também, meu dia muito muito mais feliz!
Subindo a Campinas, engravatados dentro de seus carros importados começam a reinar. O trânsito dessa chegada na Paulista é terrível - assim como é na chegada na Berrini e também na Faria Lima. A cara de amargurados dessas pessoas é ainda maior. Acho que na República do Líbano, pelas árvores e pelo parque, as pessoas esquecem um pouco que elas são amarguradas. Mas quando vai chegando perto do trabalho delas, subindo a Campinas em direção à Paulista, não há santo que aguente.
E tem isso em São Paulo, que é muito dificil para todos: quando dirigimos, não conseguimos ver o horizonte. Não tem horizonte com tanto prédio. Mesmo assim, todos ficam com a sensação de fazer São Paulo crescer. Mas quando não se vê o horizonte, para onde é que se cresce?
Enfim.
Às nove eu cheguei em casa, depois de fazer os exames. Deixei o carro na garagem e, largando a sensação positivista de fazer parte do grupo de pessoas que faz São Paulo crescer, fui a pé trabalhar.
Cheguei em 15 minutos, suada e morrendo de calor. Mas não tinha na cara toda aquela amargura.
Melancolia
Há 3 anos
4 comentários:
Lendo esse post me deu uma saudade louca de São Paulo. Ah, o trânsito da Berrini e as caras amarguradas e meus vestidos floridos chamando atenção no meio de tanto cinza. Amo São Paulo
Pois é, Manu, eu também amo São Paulo. Mas no verão ela é uma cidade que cansa... mesmo que a gente use vestidos floridos!
Meu, esse cadeirante trocava ideia todo dia comigo, qdo trabalhava na Joaquim Eugenio de Lima, vinha do Morumbi pelo tunel e entrava na Brigadeiro por esse retorninho, ele me chamava de alguma coisa tbm, que infelizmente nao me lembro e meu dia nao era 100% qdo nao calhava de ficar numa situacao naquele sinal q nao desse pra gte trocar ideia... Mta saudade!
Pois é, também tenho saudades dele! Ele é um querido, né?
Mas sei que as suas saudades são um pouco maiores do que as minhas, porque são de tudo, e não só dele...
Lindão, vai ficar tudo bem.
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