20.6.08

Temporada Surrealista

Outro dia eu estava trabalhando, olhando pela janela do meu quarto, e vi um hipopótamo voando de asa delta. Ele descia da Pedra do Baú em direção ao Vale do Paraíba, e dos Jardins eu conseguia observar seu pouso tão suave.

Nesse exato mesmo instante, uma mosca assassina do Quênia, ao migrar para as Américas, matou um urubu que também sobrevoava o Atlântico, jogou seus miúdos ao mar, e se alimentou de penas até ela se fortalecer de um tanto que ela se transformou em urubu.

As Rochosas, assim como os Andes, resolveram perder barriga e emagreceram, emagreceram, até que depois de 10 minutos nesse processo o que a gente encontrava não eram mais montanhas, e sim uma enorme depressão funda e florida, resultado do esforço das placas tectônicas para voltar ao lugar. Me disse o New York Times que ninguém morreu nesse processo, e que todos estão felizes porque agora em um relevo de depressão, pessoas que viviam em picos nevados conseguem plantar e colher. E eles plantam e colhem muitos avestruzes. Nesse processo, o Atacama virou mar e o Aconcágua ficou mais fundo do que a Fossa das Marianas.

No que eu olhei de novo pela janela, todas as cozinhas do prédio ao lado tinham se transformado em saunas úmidas, e eu via pela janela formas humanas nuas das mais bizarras. Não gosto de voyeurismo, mas vi estrias e celulites que jamais tinha imaginado. Peitos caídos e barrigas bizarras. Pés peludos e orelhas cheias de cera. Tudo isso, na sauna que era cozinha, no prédio ao lado.

E aí quando eu olhei para baixo, a garagem do meu prédio tinha se transformado em uma piscina gigantesca, cheia de bolhinhas (sim, de bolhas e não de bolas) de gude que pulavam no fundo da piscina vazia e roxa.

Então, todas as minhas unhas caíram, e no lugar delas nasceram flores. Rosas, lírios, violetas e orquídeas. O vaso de cerâmica virou oxigênio. Os vidros e esquadrias das janelas da nossa cozinha derreteram em uma lava azul gelada, que percorreu todo o chão do apê até chegar na porta do meu quarto, onde ela não entrou.

Cazuza, o canário da família, deixou de cantar seus assobios de canário e começou a cantar a lamentosa canção "eu preciso dizer que te amo, te ganhar ou perder sem engano". Eram os vizinhos de mudando e levando junto a canária Ella (de Fitzgerald mesmo), e o Cazuza ficando aqui e curtindo sua esparrela.

Se meu Blueberry falasse ele teria explicado o porquê de sua greve. Como ele ainda não aprendeu a falar, só sei que um dia desci na garagem e o Blueberry tinha tirado todas as rodas, desmontado a direção, e quebrado o banco da motorista. Um carro que não fala o que ele reinvidica com essa greve não tem direito a almoço.

No parque Ibirapuera, esportistas deram lugar a fashionistas de cabelos mudernos e calças sem pernas e mangas sem braços e saias sem rodas. Por todos os cantos, sentados no gramado, cheiro de cigarro. Os batedores da PM faziam questão de protegê-los da selva humana que frequenta o parque buscando bem-estar físico. Quando alguém falou para eles que endorfina é mais gostoso do que outras químicas sintéticas, eles começaram a correr. Assim começou a Maratona Fashion Week.

Voltando dessa ida ao parque, parei em um café onde Jorge Amado debatia com George Gershwin a importância das eleições do Obama nos EUA. Tentei interagir com eles, mas meu mandarim não era fluente o suficiente para esse tipo de debate. Falaram também alguma coisa sobre a descoberta da maior estrela da Via Láctea, que está atraindo com sua força gravitacional todo o Sistema Solar para perto dela, e então todos derreteremos e seremos engolidos por gases (só ficará intacta a depressão formada pela ex-Rochosas e pelo ex-Andes). Me faltou conhecer Darjeeling para poder falar com eles de igual para igual nesse assunto, então decidi sair do café.

Quando eu saí do café, ora ora, me deparei com Evo Morales e seus cocaleiros em uma passeata pedindo a posse da Cracolândia para a prefeitura de SP. Segui com eles até o Viaduto do Chá, onde comprei um xale à la Arafat. A polícia me acusou de terrorista e me mandou para Guantánamo.

Lá, fui resgatada pelo hipopótamo, que ainda estava voando de asa delta pelo Vale do Paraíba, e ele me levou para a procissão do Padinho Cisso perto das estátuas dos budas ditosos na Turquia. Me resgataram dessa empreitada o Visconde de Sabugosa e o Minotauro que, melhores amigos que sempre foram, decidiram se casar no casamento gay liberado na California. Aparentemente eles querem tirar o green card para... ora ora, votar no Obama nas eleições desse ano!

Ao mesmo tempo que tudo isso acontecia, um chinesinho de oito anos tirava um cochilo em uma das camas expostas na loja da Ikea em Pequim - sim, a maior loja da Ikea no mundo. E o governo chinês, essa mistura bizarra de ditadura política com economia liberal com maior poder de consumo com bomba atômica, compra terras pela América do Sul e pela África, para alimentar as barrigas dos chineses que já estão no mundo e dos que chegam ao mundo todos os dias.

A hipotenusa do próton em uma relação logarítmica com a nota musical "Lá" fez com que o guarda-chuva brigasse com a cortina.

2 comentários:

Fernanda Bello disse...

hahahahahahahah...
GENIAL!!!!!
Bjo.

Fernanda Bello disse...

P.S.: Isso poderia ser filmado e se tornar um videoclipe, mas a MTV não passa mais clipes.