24.6.08

Sol de inverno em uma noite gelada de 2a feira

OU: como fazer sua segunda terminar bem, sua semana começar bem, com uma simples mudança de planos.

Cenário inicial: o quarto.
19.17
No seu computador, ela termina os trabalhos do dia, fala com a sócia pelo MSN, faz o planejamento da semana, decide algumas coisas sobre a reunião de sexta. Está frio e ela tem planos de fazer os exercícios de yoga e logo depois tomar banho, para esquentar os pés bem gelados. Depois da reunião pelo MSN, da yoga, e do banho, In Therapy começa na HBO às 20.30 e os capítulos da análise da Laura estão melhor a cada semana. Ela pretende, já quentinha e de pijama, assistir esse capítulo, depois jantar com os pais assistindo a Lost - o único vício televisivo insuperável da mãe dela -, e depois assistir CQC. Alguma hora da noite ela também pretende comer o pinhão que a Cidoca tinha cozinhado à tarde. Ela dormiria feliz - um pouco miserável, é fato, porque está difícil de superar - mas feliz.

Em alguns segundos tudo isso pode mudar. E muda.

19.21
Toca o celular. É o amigo-vizinho, uma das pessoas mais importantes da vida dela.
Ele pergunta quais os planos dela para hoje, porque ele quer um café e um cinema. Ela (bate preguiça e dá vontade de continuar meio miserável dentro de casa choramingando de vez em quando, curtindo o colo dos pais) fala que não sabe, que tem vontade mas que não sabe, e que não está muito boa companhia hoje. Ele pede que eles não falem de assuntos filosóficos hoje. Diz que quer relaxar de um dia pesado, e que quer boa companhia e boas risadas e só. Diz também que quer filme fácil. Ela pergunta: você assistiria Agente 86? (pergunta e, por dentro, fica com um pouco de vergonha de convidar justo ele para esse filme tão, tão, tão... bobinho). Ele fala, enfaticamente, que era exatamente isso que ele tinha em mente: Agente 86. Ela ri por dentro, e lembra que ela não precisaria ter vergonha dele para convidar para esse filme. Eles marcam a hora e ela fica feliz e surpresa com a atitude dela, e fica feliz e muito aconchegada por esse telefonema inesperado do grande amigo. Ela volta a trabalhar, termina a reunião via MSN com a sócia, se troca, e sai de casa.

19.49
O carro sai da garagem. Será que, por ser uma noite fria, todo mundo resolveu voltar cedo para casa hoje? O trânsito que ela encontra na rua está bem similar ao de um domingo - sendo que estamos falando de uma segunda feira, 19.50 - hora do rush, oras bolas! A sensação que ela teve é que a cidade estava abrindo caminhos para ela. Metáfora legal se ampliarmos para todos os outros aspectos da vida, não só o do trânsito propriamente dito. Na Augusta com a Santos, a vaga cativa dela estava lá, à espera do Blueberry.

20.03
Chega no Conjunto Nacional. Liga pro amigo. Ele fala: entra na Livraria Cultura e me espera lá, chego em 10 minutos. Ela fuma um cigarro na rua na noite fria, coisa gostosa de se fazer, toma vento frio na cara, veste o capuz do casaco de esquimó, mais um pouco de vento frio na cara, e entra no quentinho da Livraria Cultura. Acha na estante dos lançamentos um livro com a poesia completa do Manuel Bandeira. Ao abrir em uma página aleatória, abre justamente aqui: Vou-me embora para Pasárgada. Será que até o Bandeira estava dialogando com ela naquela noite? Se joga em um daqueles puffs coloridos deliciosos, afoga a cabeça no capuz do seu casacó de esquimó, e fica lá deitada, lendo Bandeira e esperando o amigo. Se sente extremamente bem.

20.16
O amigo chega. Como de um pulo, ela se levanta do puff e praticamente pula em cima do amigo, tamanha a alegria. O abraço parece eterno, e parece naquele instante a melhor coisa a ser feita. Ela mostra para ele o livro do Bandeira, que ele gosta também. Começa a conversa que não acaba nunca. Eles decidem ir pro Viena jantar. No caminho do Viena, mais uma vez ela se lembra como é bom ter esse amigo por perto, como ele muda o mundo dela para um lugar melhor, como ele faz dela uma pessoa melhor, como ele tem a melhor conversa do mundo, e a melhor companhia, e todos os outros melhores que alguma pessoa possa ter.

20.21
No quentinho do Viena, com cheiro de sopa, de pizza, de massa, os dois conversam, conversam, conversam, conversam, conversam, conversam. A conversa nunca segue uma linha reta, mas sempre volta para onde ela tinha parado. E assim os assuntos mudam, começam, recomeçam, e acabam. A conversa não segue uma linha reta, mas a melhor sensação que dá é de dois amigos juntos com uma intimidade absurda, uma proximidade absurda, um sentimento tão verdadeiramente verdadeiro que até emociona. E eles falam muito de tudo, se atualizam dos assuntos, comem bastante também, e estão felizes.

21.25
Ela olha no relógio do celular. "Temos 20 minutos pro filme". Ele pede a conta, eles pagam, saem andando rápido. Quando chegam na faixa de pedestres da Paulista com a Augusta, o farol está verde mas quase indo pro vermelho. Se entreolham. "Vamos?", "Vamos!". Vão. Correndo. De mãos dadas e dando risada. Ele diz que "a pizza está aqui", ela dá risada mais gostoso ainda, e eles chegam do outro lado sãos e salvos, mesmo que correndo.

21.45
Já sentados no cinema e ainda conversando, começam os trailers. O trailer do filme novo do Will Smith, chamado alguma coisa parecida com Hancock, o trailer do filme da Viagem ao Centro do Mundo, que terá exibição em 3D. Eles combinam de ir em todos esses filmes. Ela comenta, feliz, que adora filmes de férias. Então de quebra eles combinam de assistir Kung Fu Panda. Ele brinca que então nunca mais vai querer assistir os filmes europeus com ela.

23.45
Com a barriga doendo de tanto rir, e com todas as endorfinas do mundo circulando pelo sangue, e com a melhor companhia do mundo ao lado, eles saem do cinema. Bem felizes. Vão conversando mais e mais e mais, atravessam de novo a Paulista - mas dessa vez, sem pressa. Ele coloca o capuz nela, fecha muito o ziper do casaco, e fala: "nossa, nunca tinha visto um esquimó na vida!". As risadas estão muito gostosas nessa noite. No relógio do Conjunto Nacional, o termômetro marcar 9 graus. Faz frio gostoso. Na hora de atravessar a Santos, eles brincam se puxam de volta para a sarjeta, meio que dançam no meio da faixa de pedestres ao atravessar a rua... um abração dos mais gostosos, e o retorno mais feliz do mundo para casa.

A noite poderia acabar aqui e já teria sido maravilhosa, fantástica, perfeita.
Mas se em alguns segundos todo o sentimento de "feeling miserable" pode mudar após um telefonema, outro telefonema leva ela do "feeling absolutely good" para o "feeling absurdly great" já no final da noite.

00.03
Está chegando em casa e toca o celular. Ela toma um susto. Será que é o telefonema que ela espera há tanto tempo? Atende. Do outro lado da linha, uma voz que parecia tão longe fala: MEU AMOR!!!! De fato, ele mora na Austrália, está bem longe mesmo. Fica falando com ele, colocando os papos em dia, acende um cigarro na cozinha e fica lá papeando, pega pinhão na panela e fica lá papeando... Ele conta de tudo da Austrália, da vista que ele tem para a Baía de Sidney, do Rhys que cozinha muito e que eles se dão super bem e que é muito bom morar com ele, de todos os planos, dos causos do café, do departamento de imigração na Austrália, da idéia de fazer um curso, da impossibilidade de ele vir pro Brasil enquanto não sai o visto dele de "interdependência"... Ela fala um pouco também. Ela sente saudades da noite de whiskey e muito cigarro num pub escuro e irlandês, noite que mora no imaginário dos dois e só, que nunca existiu. Será possível sentir saudades de alguma coisa que mora no imaginário e que nunca existiu? Ela sente saudades da noite no pub com ele, e ele também sente saudades dessa noite. Parece que essa imagem é um acalanto para os dois. Antes de desligar, ela fala: eu te amo. E ele fala: eu te amo.

01.15
Ela vai dormir tão feliz e realizada que tudo o que ela precisa agora é de um bom cobertor pesado e uma cama quentinha. Ela tem certeza que essa não será mais uma das muitas noites de insônia que ela tem tido desde a semana passada.

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