29.2.08

Destino: Centro - Parte I

OU: DA IDA AO SINDICATO

Chegou finalmente e já veio tarde depois de dois meses e mais de espera o dia da homologação no sindicato. Dia corrido esse na minha vida, curso de manhã, curso à noite, e à tarde... uma ida ao sindicato.

Não foi tanto o caminho nem o ato. Foram mais as pessoas. Aliás, como sempre na vida, né?

Uma chuva forte desesperadora depois do almoço... não estava com pique que meu caminho do Terminal Bandeira ao Sindicato fosse encharcado. Pois bem que a chuva parou, e eu aposto que foi a força do pensamento. O compromisso lá era às 15hs.

- Terminal Bandeira: meu caminho mais próximo pro centro, mais rápido e fácil e barato do que metrô e descer na Sé;
- Rua do Ouvidor: pai, obrigada por me mostrar que no Terminal você pode sair ou pelo Anhangabaú, ou pelo "lado leste", porque com essa dica eu andei bem menos do que seu eu fosse até a Xavier, atravessasse o viaduto, etc, etc, ...;
- Líbero Badaró;
- Praça do Patriarca, que ficou muito feia com aquela matriz estranha e abstrata e muito muito branca, como se fosse um elefante branco perto do Anhangabaú e da prefeitura;
- Rua da Quitanda: suspiros encantados quando ela cruza com a Alvares de Azevedo, que lá fica o CCBB bonito muito bonito;
- XV de Novembro;
- Praça Padre Manoel da Nóbrega: do outro lado da Boa Vista, o Páteo onde tudo começou. Desse lado de cá, o Sindicato.

Sindicato dos Terceirizados é bem complicado... dá de tudo, mas eu era minoria absoluta lá. Lá onde as pessoas não sabem nem que se pode usar óculos com armação vermelhinha. Lá, onde All Star é sim status. E olha que eu estava me esforçando para parecer uma igual, juro que eu estava.

Fila de espera... milhares da cadeiras, de pessoas, de rugas a mais nas caras tristes de muita gente, de sorrisos banguelas e desajeitados.

O Gil mesmo disse que foi choque de realidade. Foi sim, Gil, mas não, Gil, eu não sou patricinha dos Jardins como você adora falar. Eu sei que você fala de zueira. Foi só uma reforçada.

Não sei que que é... se é o fato de que estou sempre descabelada, ou se são os olhinhos pequeninos que tenho. Sei que as pessoas de repente julgam que eu posso ser simpática, e elas adoram puxar papo comigo. E daí eu sou simpática, puxo papo de volta, e aquela espera para fazer a homologação não foi só choque de realidade, foi noção de tristeza, foi lição de vida.

Dona Vânia, ex-auxiliar de limpeza, mora para lá da Estrada de Itapecirica, perto de um lago muito bonito. Foi demitida porque foi pega comendo restos de bolo de aniversário que alguém tinha deixado em alguma baia na noite anterior. Compareceu ao sindicato com os sete filhos, porque naquele dia eles não tinham com quem ficar. Todos em uma escadinha muito apertada, de 9 anos a 7 meses. O de 9 anos aparentemente já tinha entendido que por algum tempo ele seria o apoio dos pais e estava então incumbido de ser um pouco pai dos irmãos mais novos todos. Ele parecia impressionantemente responsável. O marido da Dona Vânia é faxineiro de um prédio na Vila Santa Catarina, que pelo menos é perto de casa (ele só tem que pegar um fretado, um ônibus e uma van, bem melhor do que ela que costumava pegar van, trem, metrô e ônibus). Eles estão preocupados porque ele ganha R$ 300,00 por mês, os R$ 200,00 que ela ganhava ajudavam muito no orçamento da casa, e agora eles querem saber como sustentarão a família antes de ela voltar a trabalhar.

Daí entrou a Dona Vânia para Homologar.

Nisso, o Seu Pedro, que estava prestando atenção na nossa conversa, me disse que eu sou muito simpática e que tenho boa conversa. Foi a saída que ele encontrou para puxar papo. Seu Pedro trabalhou lá no centro mesmo desde jovenzinho, sempre como zelador, cargo de confiança, sabe? Tive até que dar jeito de evitar visita surpresa da esposa porque sabia que o marido dela estava com a secretária no escritório fazendo essas coisas que a gente sabe... Já entreguei envelopes grandes com muito dinheiro e já me pagaram até almoço de restaurante desses que entrega no escritório mesmo, porque eu precisava ficar lá na portaria dando cobertura. Dando cobertura para quê, Seu Pedro? Ah, você sabe... essas coisas que cargo de confiança tem que fazer. Enfim, a história do Seu Pedro é legal até dois meses atrás. Na onda de terceirização que o Brasil passou com o Plano Real (não sei qual a relação direta entre uma coisa e outra, mas sei que essas duas coisas coexistem cronologicamente) o pessoal do prédio não quis demiti-lo (cargo de confiança, dona moça, sabe como é) e pediu que a empresa terceirizadora o contratasse. Assim foi feito. Até finalzinho do ano passado, quando a empresa se deu conta que daqui há pouquinho tempo Seu Pedro poderia se aposentar. Pois é. Ela não quis se responsabilizar pela aposentadoria do Seu Pedro, e no olho da rua ele está. Seu Pedro tem uma esposa cozinheira, casa de família rica, faz banquetes e festas e jantares; tem um filho taxista, Graças a Deus ele conseguiu pegar o ponto de Congonhas, ficou na fila por muito tempo mas conseguiu, e tem uma Zafira linda que você precisava ver dona moça; e tem uma filha professora, formada em universidade particular e que ele pagou ele mesmo pra filha, e que é o grande orgulho dele ter oferecido essa faculdade para a filha.

Daí eu entrei para homologar e logo em seguida voltei para casa. Seu Pedro não estava mais lá na sala de espera, e Dona Vãnia com suas sete crias já tinha ido embora. Voltei para casa, mas não era mais igual não, dona moça.

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