28.5.08

Blueberry

Vou contar para vocês a história do Blueberry, o carro mais fantástico, amigo e companheiro que poderia existir nesse mundo.
Blueberry, vindo ao mundo em março de 2002, caído nas minhas mãos de recém-motorista no mesmo março de 2002, batizado pela Lau poucos dias depois de ele estar em minhas mãos. Azul marinho ele é, redondinho, pequenino, e completo do jeito que eu gosto: direção hidráulica, rodas de liga-leve, ar-condicionado, travas elétricas, vidros da frente elétricos, quatro portas.
Não tem CD, porque eu gosto da idéia de deixá-lo na rua sem medo de que ele terá um vidro quebrado. Mas tem rádio, porque eu gosto de dirigir ouvindo música e cantando alucinadamente.
Tem alguns apetrechos e patuás. Tem um Ursinho Pooh que eu ganhei da Stephanie e gosto de deixar o Pooh lá porque assim eu sempre me lembro dela e de sua mãe, que me são tão queridas. Tem o Berry: um tigre daqueles de pelúcia pequeninos recheados de arroz, que fica pendurado no meu retrovisor e me acompanha com seu olhar. E tem o Blue, ursinho de pelúcia bem pequenino mesmo que tem aquelas coisas de plástico (cujo nome me esqueci) que grudam no vidro conforme a pressão que fazemos. Pendurados na parte de trás do retrovisor, os patuás: um olho grego de vidro bem bonito; um filtro dos sonhos, que está lá desde que eu ganhei o carro, porque eu queria porque queria um filtro de sonhos para proteger meu carro; e um terço, porque em todos os carros da família há um terço bento.
Blueberry já foi inúmeras vezes ao Morumbi ver o Tricolor jogar com um monte de gente dentro, e voltou ouvindo o Terceiro Tempo da Joven Pan. Blueberry já foi radical e já foi tranquilão, hora fechando e cruzando e fazendo todos os tipos de manobras absurdas, ora seguindo em frente serenamente sem medo de se entregar ao congestionamento paulistano. Blueberry, no começo de sua existência, morreu inúmeras vezes nas desafiadoras ladeiras de Perdizes.
É estranho e raro que eu seja passageira do Blueberry, e ninguém o dirige tão bem quanto eu.
Eu piso e ele responde, e então, com nosso ótimo trabalho em dupla, consigo fazer com que um carro um-ponto-zero pareça quase um um-ponto-oito. Temos uma interação sem precedentes na história dos automóveis e seus proprietários.
Blueberry já viu grupos de meninas atacadas antes da balada e depois da balada, já ouviu música alta com um bando de loucas cantando alucinadamente dentro dele, já viu o Edu parar na sarjeta, abrir a porta do carro, e passar muito mal mesmo logo ali no meio da rua. Blueberry é o carro oficial das voltinhas no quarteirão, de quando o trajeto entre a PUC e os Jardins não era o suficiente para todas as conversas que eu tinha com a Lau, e aí a gente começava a dar voltas no quarteirão sem destino nenhum, simplesmente para acabar o assunto.
Blueberry e eu adoramos pegar uma estrada, principalmente se ela estiver livre. Blueberry não tem medo de estrada de terra.
Blueberry já me viu brigar, rir, reconciliar, chorar, beijar, sofrer, falar no celular, fumar, cantar, conversar.
Blueberry testemunhou muitas coisas sozinho, mas a principal delas foi minha loucura de aniversário quando fiz 25 anos. Só eu e o Blueberry, às 4 da manhã, na 9 de Julho indo pro Cambridge. Só a gente sabia que naquele exato instante eu estava sozinha cometendo uma loucura e tanto.
Blueberry, tadinho, já se perdeu sozinho comigo na periferia de Embu, lugarzinho perigoso de verdade. E além das favelas do Embu, Blueberry já caiu comigo nas bocadas dos arredores da Estrada do M'Boi-Mirim, outro cantinho perigoso de São Paulo - mas nessa ocasião tinha mais gente no carro, muito embora todos tão embriagados quanto eu, após lendário churrasco do Strauss.
Logo no começo de sua existência, bati a roda numa guia quando fui desviar de um caminhão que me fechou, e o pneu fez PLUFT, um barulhão, e a próxima coisa que eu vi, um quarto do meu carro estava totalmente no chão, com o pneu estourado. Peguei o celular: "Paaaaaaaaaai, estourei meu pneu, vem me ajudar", aos prantos.
Blueberry pegou inúmeras vezes a Princess, para irmos para qualquer outro lugar, mas principalmente para irmos pro Image durante muitas sextas feiras seguidas em 2003 e 2004.
Só o Blueberry e a Princess, aliás, testemunharam um beijo bizarro e proibido e escondido e secreto de dezembro de 2007.
De manhã à caminho da IBM muitas vezes Blueberry brincava com seu amigo, Le Poison Blanche, que chegavam juntos ao trabalho - quero dizer à rua 7 do estacionamento da IBM, sob os cuidados atentos do Seu Antônio.
Blueberry já viu muitos amanheceres, muitos voltando da balada, e muitos quando eu ia correr no Ibirapuera bem cedinho e era tão cedinho que eu via o amanhecer do carro.
Blueberry já deu muita carona para muita gente, adoro isso de passar e pegar pessoas em um lugar e levá-las para outro lugar. É muito bom. É quase uma sensação de "pode deixar, eu consigo te tirar desse mundo" (mesmo que temporariamente).
Outro dia, no começo desse ano, Blueberry se encontrou com um caminhão de lixo e se estrupiou. Foi bem feio. Lá na delegacia, fazendo o B.O. que eu precisava fazer para acionar o seguro, o senhor PM me disse: "Dona Madame, a senhora está me contando que, ao sair da garagem da sua casa, bateu em um caminhão de lixo que estava passando no meio da rua e que a batida foi tão forte que o carro teve que ser guinchado até a oficina?" Rindo por dentro da situação patética e chorando por dentro da situação deprê, abaixei a cabeça e respondi: "Sim, senhor PM".
Blueberry é quem me entende em meu silêncio.
É meu cúmplice sem questionamentos.
Ontem eu deixei o Lindonildo na casa dele e foi passear de carro, curtir a noite paulistana e o barulhinho do motor do Blueberry, fumando um cigarrinho e pensando na vida. Eu estava muito feliz, e quis dividir com o Blueberry, quis que essa sensação de felicidade absoluta durasse mais um pouquinho, quis ouvir boa música dentro de um carro companheiro e acreditar que é verdade que eu sou feliz hoje, e que não adianta relutar contra isso. E que na verdade ficar pensando demais é uma forma de relutar, e que o que me basta hoje é sentir por todos os poros o frescor de coisas novas que 2008 traz para mim. Simplesmente sentir.

2 comentários:

Fernanda Bello disse...

Putaqueopariuquetextolindomeninaaaa!!!!
E é só para um carro!!! Tá bom. Não é só um carro, é o blueberry. Mas meudeusdocéu!!!
Que coisa linda. Quanta coisa linda aí dentro.
Adorote.
Beijos.

Evelyn disse...

Adorei também

fico feliz que o Blueberry tenha sobrevivido fisica e psicologicamente ao encontro com o caminhão de lixo