2.5.08

Que chuuuuuva!

Desobedeci.
Mesmo.
Com vontade.
Desobedeci minha acupunturista, que diz que friagem é o pior crime que um ser humano pode fazer com ele mesmo.
Desobedeci minha avó, que diz que umidade para a mulher naqueles dias é absolutamente proibitiva.
Desobedeci meus pais, que me deram dinheiro para ir de táxi na ida e na volta, para evitar a chuva.

Desencanei do frio que está lá fora, frio úmido e doído apertado.

Eram oito quadras a pé, da entrevista para a minha casa. Estava com uma capa de chuva francesa (u-lá-lá) azul-quase-cinza, lindona. Liguei a música no celular e coloquei os fones de ouvido. Capuz, uma respirada seca no coberto para pegar o fôlego, e vai.

As calçadas paulistanas são péssimas. Isso é senso comum. O que não se sabe ao certo é o perigo que elas representam em dias de chuva. Contabilizei sete quase-tombos. E seriam daqueles bonitos, dignos de uma videocassetada das mais engraçadas. Tem um tipo de pedrinha que é inimiga especial dos pedestres em dias de chuva. E a calçada com texturas, nesse esqueminha modernoso que alguns prédios de escritório têm aderido ultimamente, também é bem complicadinha. Então desci em um ritmo entre a caminhada e o samba, com muita dança, para não cair.

Passando por mim, uma mulher, louca, sem guarda-chuva, que dizia: "que chuuuuuva!", e eu imaginei de verdade a angústia dela, por ela estar descoberta.

Eu não. Ah! Eu tinha a minha capa de chuva... mas, sabe, ela ia até metade da cocha. Depois de umas quadras de caminhada, percebi que meu jeans na altura da cocha onde a capa acabava começou a grudar na perna. Percebi também que a sola de couro da minha bota foi deixando minha meia bastante úmida e fria. E por último percebi que o capuz cobre bem a cabeça, é fato, porque ele é farto. Mas ele é ligado à capa por botões, e o espaço entre o capuz e a capa, onde não tinha botões, foi aos poucos encharcando minha nuca. Também notei que eu deveria ter prendido meu cabelo em um coque, porque do jeito que ele estava solto, as pontas estavam ficando molhadas.

Mas mesmo assim, mesmo me molhando aos poucos e consideravelmente; mesmo passando frio; mesmo quase caindo; mesmo assim eu estava lá, desobedecendo com gosto e tomando chuva. E estava fazendo a coisa certa. Eu queria viver a rua paulistana em uma emenda de feriado chuvosa. Aquela coisa meio híbrida entre o dia útil e o dia de folga, entre a cidade vazia e a cidade cheia, aquela coisa meio híbrida que é a água que desce forte do lado da sarjeta, que não é asfalto e não é calçada, não é rio e nem enchurrada, mas molha de verdade.

Quando eu cheguei em casa, olhei no espelho do elevador aquela cena patética da calça ensopada, da capa que se mostrou boa só para dias de garoa, da bolsa pingando, das pontas do cabelo bem molhadas. Eu olhei e ri, ri bastante, ri deliciosamente, como criança que faz traquinagem. Eu estava molhada e com frio, mas estava absolutamente realizada.

Para não parecer uma pessoa totalmente insana, vale constar: assim que cheguei em casa tomei um bom banho quente.

Ainda no contexto do cachecol florido, o que eu tinha lá no fone de ouvido do celular ainda era a trilha sonora da Amèlie.

Um comentário:

Fernanda Bello disse...

Ai, ai... me refestelo por aqui. Com suas palavras brincalhonas, com as "texturas das calçadas modernosas", com a graça das coisas simples, traquinagens, etc, etc, etc...
ADOROTE.
Bjo.