1.3.08

Destino: Centro - Parte II

OU: DA BUROCRACIA INTELIGENTE DO POUPA-TEMPO

Mesmo caminho do dia anterior, com uma batida de perna um pouco maior, e logo cedo. (Por cedo, considere 10 e meia da manhã, que essa vida de horários flexíveis está me proporcionando algumas boas mamatas)

Minha grande sorte é que não estava muito quente nem muito abafado, e não fazia sol. Estava nublado, mas também não chovia. Simplesmente o tempo ideal para longas batidas de perna pelo centro.

Depois de passar pelo Páteo do Colégio, segui até a bagunça da Sé. Bagunça deliciosa e barulhenta, aquela coisa miscelânea absurdamente. Pastores engravatados pregando ao lado de mendigos bêbados e da Guarda Civil Metropolitana. Tudo isso em uma praça muito grande e muito bonita e verdadeiramente cheia de gente, embora muito suja e depredada também. Andei bastantão por lá, já que o Poupa Tempo está no final da praça.

Muita fila no Poupa-Tempo, mas os caras por lá são bons. Eles sabem fazer a coisa certa. Fui dar entrada no meu de seguro-desemprego. Primeiro uma fila pequena e rápida onde eles verificam se a documentação está ok e pronta. Daí ganhei uma senha e fiquei esperando que meu número apitasse vermelho no painel. Não esperei nem muito nem pouco, apenas o suficiente para ficar lá observando.

Mas no Poupa-Tempo ninguém puxou papo, então foi muito mais uma observação distanciada. Muita gente pedindo Seguro-Desemprego, mas mais gente ainda na fila para se cadastrar para os programas de emprego do governo do Estado. Não sei se esse programa funciona, mas tem muita gente que acredita nele. Eu torço para que dê certo para todo mundo. Aparentemente dá, porque embora tivesse muita gente se cadastrando pro Seguro-Desemprego, as taxas de emprego estão subindo, então acho que algum dia todo mundo que estava lá vai achar uma vaga para chamar de sua.

Depois do meu lado se sentou um mocinho com roupa de descolado. Realmente um outsider que nem eu, mas ele fazia questão de se mostrar outsider. Fiquei torcendo para que o celular dele tocasse e eu pudesse ter uma noção do background do marotinho. Qual não foi minha sorte quando o celular dele tocou... não só uma, como duas vezes! Na primeira vez era o pai ligando, e os dois discutiram pelo celular e em pleno Poupa-Tempo onde as pessoas vão pedir empregos que paguem 200, 600, talvez estourando mil reais, o que eles iam fazer com sete mil. Discutiram as possibilidades de comprar Vale, Petro, ou alguma menor que envolvesse mais riscos e mais ganhos. Queriam com esse dinheiro diversificar os investimentos deles na Bolsa. Sim, eles estavam discutindo sete mil reais para comprar ações. Sim, as pessoas ao nosso lado queriam um trabalho que pagasse 6oo no mês, pessoas bem similares à Dona Vânia ou ao Seu Pedro do dia anterior. Daí ele disse ao pai que depois do Poupa-Tempo teria que ir à FAAP se matricular na DP de História da Economia. Eu particularmente não sei o que eu odeio mais: se são os estereótipos, ou se são as confirmações dos estereótipos. Daí a avó ligou: pediu ao menino que fosse com o motorista dela retirar os vinhos que ela tinha encomendado para o jantar daquela noite. Aiai, e ele lá no Poupa-Tempo. Antes que você, ó caro leitor, me pergunte o que esse menino estava fazendo lá, eu te respondo: ele estava pedindo a Carteira de Trabalho dele, ia começar a trabalhar em uma corretora de ações e precisaria ser registrado.

Daí apitou vermelho meu número no painel. Mesa 21. Era a Nilma minha atendente, mulher bonita, com aquelas rugas que denotam uma bela história de lutas por trás do que eu não via. Não bati papo com ela, ela pedia a documentação e eu dava. Mas fui cordial com ela, e ela cordial, rápida, e eficiente comigo. Me tratou bem, me deu o protocolo carimbado, 30 dias e estará disponível. Disse um muito obrigado bastante sonoro e bem pronunciado, para não deixar dúvidas que eu realmente estava agradecendo a ela. Disse também um tenha um bom dia bastante sonoro e bem pronunciado, porque era realmente isso o que eu desejava a ela, ela que me tratou tão bem. Poxa, ela me respondeu com um sorriso (banguela, mas com batom vermelho). Mais do que meu Seguro-Desemprego em 30 dias, recebi um sorriso da Nilma. Não poderia sair de lá mais feliz do que isso, de um tanto que até fiquei emocionada.

Eu saio feliz todas as vezes que me dirijo ao Poupa-Tempo e que vejo como a burocracia pode ser bem gerenciada e funcionar belamente. É mais ou menos como telefone celular: a gente vivia bem sem ele, mas hoje não sabe mais o que é não ter celular. Poupa-Tempo é exatamente isso: não consigo imaginar o que é tirar uma 2a via do RG, renovar a Carta, ou dar entrada no Seguro-Desemprego em outros estados brasileiros. Mas uma certeza eu tenho: deve ser bem mais difícil, demorado, e sofrido.

De lá, saí com dois desejos secretos:
- que o menino da FAAP tivesse que tirar a CTPS dele no Acre, para suar na pele a burocracia que não funciona.
- que a Nilma realmente, verdadeiramente, tivesse um bom dia.

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